07/07/2009 VALOR ECONÔMICO
O pior da crise internacional já passou, mas as ações dos governos para reduzir seus efeitos, injetando trilhões de dólares na economia, deixaram uma conta a ser paga no futuro que representa um risco significativo para a continuidade da recuperação mundial ao aumentar demais as dívidas e o déficit fiscal, especialmente dos países desenvolvidos.
Essa saída do processo de combate à crise deve reduzir o ritmo de crescimento dos países desenvolvidos e, por tabela, também da América Latina. A região, porém, está em posição privilegiada, pois se encontrava mais preparada em termos de fundamentos econômicos que os países desenvolvidos, mas dependerá deles para voltar a crescer. E enfrentará ainda a tentação de aumentar a participação do Estado na economia e de relaxar em seus programas fiscais, adiando mais uma vez reformas fundamentais.
Estas são algumas das conclusões do primeiro dia de debates do VIII Encontro Santander América Latina, organizado pelo banco e pela Universidade Menéndez Pelayo, na cidade de Santander, Espanha. O encontro, que termina hoje, reuniu autoridades e especialistas em economia da região.
Para o ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e hoje secretário geral da Secretaria Geral Ibero Americana, Enrique Iglesias, começam os sinais de recuperação com a alta das bolsas. "Os brotos verdes parecem estar surgindo, com a confiança se consolidando, os bancos se recuperando e os preços das commodities subindo", diz. Iglesias prevê uma recuperação das economias centrais em 2010, mas o desemprego continuará alto, o que limitará a retomada. A grande questão, alerta, é a enorme quantidade de liquidez circulando pelo mundo e como absorvê-la sem provocar novos problemas. Uma alta dos juros no EUA ou a retirada de parte dos incentivos para controlar essa liquidez poderia travar a recuperação.
Já com relação à América Latina, Iglesias vê um quadro sensivelmente melhor por conta dos controles macroeconômicos mais eficientes, da acumulação de reservas de US$ 460 bilhões e do preço das matérias-primas, que se mantém em níveis historicamente interessantes. A solidez dos bancos da região também ajudou, assim como a diversificação dos mercados exportadores. "O Brasil é um exemplo, não depende tanto dos países desenvolvidos no comércio exterior", diz.
Tudo isso permitiu aos países da região financiar políticas de estímulo, agindo de forma anticíclica, pela primeira vez numa crise. Porém, não deve ser suficiente para a retomada do crescimento. "Antes será preciso ver quanto tempo vai durar a crise nos países desenvolvidos e como será feita a saída das medidas emergenciais de socorro econômico, que não são sustentáveis no longo prazo", alerta.
A crise deve representar grandes desafios e oportunidades, diz Iglesias. A primeira é o reconhecimento de uma nova geografia de poder onde os países emergentes são indispensáveis para solucionar o problema da economia mundial. Haverá também uma nova arquitetura financeira, com sistemas regulatórios que irão além dos bancos. A expectativa também é de maior presença das políticas públicas na economia, o que traz o risco da volta ao Estado ineficiente dos anos 80.
"O ideal seria ter melhor Estado e mais mercado", diz. Para a América Latina, o desafio é adaptar as políticas macroeconômicas aos novos tempos de menor liquidez e aversão ao risco, e cuidar da questão fiscal, que se torna mais delicada pelo aumento de gastos com o combate à crise.
Os chamados brotos verdes da recuperação têm fundamentos, diz Santiago Levy, vice-presidente de setores e conhecimento do BID. A produção industrial nos EUA parou de cair e os indicadores dos gerentes de compras são positivos. E as condições financeiras da América Latina estão melhores, como indicam a queda do prêmio pago pelos papéis, tanto do governo quanto das empresas. O CEMBI, que mostra a taxa média dos papéis privados da América Latina, caiu de 14% no auge da crise para 10% em maio.
Com menos dívidas, os países da região conseguiram fazer políticas de estímulo a economia, que no caso da Argentina chegam a representar gastos de 6,4% do PIB, 3,6% no Brasil, 2,8% no Chile e 1,5% no México.
Mesmo assim, a crise custará caro para a América Latina, avalia Levy. A região passará de uma média de crescimento do PIB de 5% ao ano para queda de 2% a 2,5% este ano - boa parte em função do México, que será mais afetado pela desaceleração dos EUA.
"De qualquer forma, a velocidade de crescimento das economias será menor daqui por diante", afirma. Mesmo que a recuperação das economias desenvolvidas seja rápida, na forma de um V, o crescimento da América Latina ficaria em média em torno de 3,5% ao ano de 2010 até 2013, quase dois pontos percentuais abaixo do ritmo de antes da crise. Se a recuperação demorar mais, tomando a forma de L, o impacto será maior, e a região teria crescimento perto de zero.
Há ainda o risco do impacto dos incentivos fiscais se transformarem em uma crise fiscal, uma vez que eles representam aumento de gastos em um ambiente de PIB e arrecadação em queda. Esses fatores, somados ao aumento da dívida, podem levar a um aumento dos juros e a uma deterioração ainda maior das contas fiscais. Levy estima que, em um ambiente de recuperação lenta da economia, a relação dívida pública sobre o PIB da América Latina poderia crescer 15 pontos percentuais apenas com os incentivos já anunciados.
A crise fez o sistema financeiro mundial encolher 20% de 2007 para 2008, estima Enrique Alberola, coordenador executivo de assuntos internacionais do Banco da Espanha, o banco central espanhol. Houve também uma mudança no perfil das emissões, com a dívida privada caindo de 46% para 31% do total e a dívida pública subindo de 37% para 46%, mostrando a retração na oferta de recursos para as empresas. A fatia da renda variável passou de 17% para 23%.
Alberola observa que nem todos os incentivos anunciados pelos governos se transformarão em gastos. Do total, apenas 10% a 25% serão efetivamente liberados para a economia, estima. Desses, só uma parcela de 25% a 40% seria efetivamente utilizada. E uma parte pode ser recuperada no futuro. Mesmo assim, já há um impacto expressivo no déficit fiscal, de cerca de 8% do PIB, nos países desenvolvidos, que pode trazer riscos no futuro. Há também um processo de maior intervenção do Estado na economia e maiores controles sobre os mercados. "O resultado final é que a crise fará o mundo ter menos liberdade em termos econômicos, menor liquidez, menos recursos e também menos crescimento em relação ao início da década", diz Iberola.