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27/05/2009 VALOR ECONÔMICO
Opinião - A despesa dos "Poderes autônomos"
Sem restrições fiscais, a tendência é perpetuar os "escândalos" administrativos
Marcos Mendes
A despesa dos Poderes Judiciário e Legislativo, do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público da União (aqui chamados de "Poderes autônomos") tem crescido fortemente desde o início do regime. A tabela abaixo mostra que tal gasto pulou de 0,24% para 1,25% do PIB entre 1985 e 2007. A título de comparação, a tabela registra trajetória inversa da despesa do Ministério dos Transportes, que desabou de 1,93% para 0,49% do PIB, na esteira do ajuste fiscal, que sacrificou o investimento em construção e manutenção de estradas.
O fenômeno se repete nas esferas estadual e municipal. Entre 1999 e 2007, as Assembleias Legislativas aumentaram suas despesas reais em 55%, gastando R$ 7,8 bilhões neste último ano. A Justiça dos Estados e as câmaras de vereadores seguem padrão similar.
Parte desse crescimento de despesa é consequência da redemocratização: maior acesso à Justiça, estruturação do Ministério Público, novas áreas de contencioso (meio ambiente, direito do consumidor), maior atividade da Justiça Eleitoral etc.
Mas o aumento de gastos é intenso e não pode ter apenas essa explicação. Uma outra causa parece ser a discricionariedade que os Poderes autônomos adquiriram na definição de seus orçamentos. A Constituição estabelece explicitamente que o Judiciário tem autonomia administrativa e financeira (art. 99). Para os demais Poderes autônomos a Constituição usa termos mais vagos, como "autonomia funcional e administrativa" ou "competência privativa para dispor sobre sua organização e funcionamento".
Não obstante essa imprecisão na delimitação da autonomia orçamentária, os "Poderes autônomos", na prática, elaboram a própria programação de gastos, que é incorporada quase sem cortes ao Orçamento Geral da União. Isso é feito a despeito de a Constituição determinar que aqueles orçamentos devem estar subordinados aos parâmetros fixados na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O Legislativo, por sua vez, poderia cortar os excessos durante a tramitação do Orçamento no Congresso, mas parece não ter incentivos para tal.
Um outro dispositivo da Constituição (art. 168) estabelece, ainda, que os orçamentos dos Poderes autônomos não podem ser contingenciados.
A intenção do constituinte, ao dar algum grau de autonomia e vetar o contingenciamento, foi correta, pretendendo impedir que o Poder Executivo, mediante controle de repasses de verbas, exercesse influência sobre as decisões dos outros Poderes ou de órgãos de fiscalização das suas ações (como, de fato, tem ocorrido, por exemplo, com as agências reguladoras).
Na prática, porém, os "Poderes autônomos" parecem ter usado esse direito constitucional, somado a seu poder político, para engordar seus gastos, criando-se uma situação que o economista húngaro János Kornai intitulou "restrição orçamentária fraca": todo agente econômico tende a ajustar suas despesas à receita esperada; quando há a expectativa de que se pode contar com recursos extras, aportados por terceiros (no caso, o Tesouro Nacional), a tendência natural é "gastar por conta".
Quem está sob uma restrição orçamentária fraca não se preocupa em minimizar seus custos e se torna leniente com a ineficiência. Ao mesmo tempo, ao lado da missão de prestar serviços ao público, abre-se espaço para a busca de outros objetivos, como a expansão do poder de influência dos dirigentes, exercido a partir do aumento das despesas dos órgãos sob suas responsabilidades (ampliação dos cargos de confiança, benesses, remunerações elevadas, etc). Trata-se de um caso típico de "burocrata (ou político) maximizador do próprio orçamento", fenômeno teorizado por William Niskanen em seu clássico Bureaucracy and Representative Government.
Uma condição necessária (ainda que não suficiente) para controlar a despesa dos "Poderes autônomos" e aumentar sua eficiência é a imposição de uma restrição orçamentária forte. Esse tipo de política já mostrou excelentes resultados na história recente do Brasil no caso das administrações estaduais. Desde que o Tesouro Nacional renegociou a dívida dos Estados, cobrando destes um programa de ajuste fiscal, e impôs o confisco de receitas em caso de inadimplência, estabeleceu-se uma restrição orçamentária mais forte, que levou a maioria das administrações estaduais a se profissionalizar e manter as contas sob equilíbrio, revertendo o descontrole vigente nos anos 80.
Outro caso emblemático é o das empresas estatais em países comunistas ou ex-comunistas. Quando países como China e Hungria deixaram de subsidiar automaticamente suas empresas deficitárias estas passaram a apresentar grandes ganhos de produtividade.
Para fortalecer a restrição dos "Poderes autônomos", é preciso fixar um teto de gastos por meio de emenda à Constituição. Já se tentou (timidamente) impor esse tipo de restrição na Lei de Responsabilidade Fiscal. O artigo 9º, § 3º desta Lei Complementar determinava a possibilidade de o Executivo contingenciar recursos daqueles Poderes casos estes não o fizessem de moto próprio em momentos em que o cumprimento das metas fiscais estivesse ameaçado. A partir de ação impetrada pelo PCdoB, PT e PSB, o STF, com base no princípio da separação dos Poderes, decidiu pela inconstitucionalidade do dispositivo. Logo, só resta a via da alteração da Constituição.
A alternativa a isso é continuar assistindo a reportagens sobre "escândalos" administrativos.