13/10/2011 JORNAL DO COMÉRCIO
Samir Oliveira
O economista Nildo Domingos Ouriques defende que o Brasil declare moratória imediata das suas dívidas interna e externa. Para o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), a medida possibilitaria a redução do valor total dos débitos e abriria margem para investimentos em outras áreas. Ouriques, que é membro do Instituto de Estudos Latino Americanos, também prega que os estados interrompam o pagamento de suas dívidas com o governo federal e comenta o caso do Rio Grande do Sul - onde o débito com a União soma R$ 40,5 bilhões e consome mais de R$ 2 bilhões por ano dos cofres gaúchos. "É evidente que o governador Tarso Genro (PT) precisa fazer uma auditoria dessa dívida. É o caso crônico de uma dívida que não tem saída", explica. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, ele ainda afirma que Tarso deveria determinar a publicação de todos os números "desse vertiginoso e ilegal endividamento do Estado".
Jornal do Comércio - Como o senhor avalia a crise financeira internacional?
Nildo Ouriques - Não é crise financeira. É uma crise do capitalismo. Porque envolve o comércio, que foi reduzido mundialmente de maneira drástica. Além disso, as principais empresas da indústria automobilística e do setor produtivo faliram. E os bancos também faliram. Então, como pode ser crise financeira se envolve comércio e produção? É uma crise estrutural do capitalismo, de longo prazo e sem solução a vista. Tanto é que as medidas tomadas só a agravaram.
JC - O atual momento pode ser comparado à crise de 1929?
Ouriques - A crise de hoje é muito mais profunda do que a de 1929. Ao contrário do que ocorreu naquela época, o planeta está demorando para ter consciência da gravidade da crise, porque os mecanismos ideológicos e de legitimação para camuflar a natureza estrutural da crise estão muito maiores. Em 1929, por exemplo, não havia tanta influência da televisão e da mídia. E os trabalhadores estavam muito mais organizados. O sindicalismo da década de 1930 nos Estados Unidos era controlado por comunistas, socialistas e anarquistas. A classe trabalhadora foi desmontada pelos últimos 30 anos de avanços do capital. Então a consciência sobre a crise é muito menor agora, embora a profundidade seja muito maior.
JC - Países desenvolvidos tem elaborado planos de austeridade para recompor as finanças públicas, com demissões em massa e arrochos salariais.
Ouriques - Estamos no momento do superendividamento estatal. A crise, que era do capital, foi para dentro do Estado. Os capitalistas dizem que é preciso adotar medidas de austeridade fiscal. Ora, essa crise se criou para salvar bancos e monopólios, quando os estados colocaram trilhões de dólares nesses setores na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. Tudo para subsidiar o capital. E agora dizem que há muita dívida pública nos estados e que é preciso ter austeridade fiscal.
JC - A presidente Dilma Rousseff (PT) tem dito o contrário: que é preciso investir e fomentar o desenvolvimento.
Ouriques - Não é um contraponto. Se ela quisesse realmente isso, teria que reduzir drasticamente a taxa de juros, imediatamente, para 3%, e demitir os diretores do Banco Central. O governo não tem que falar, tem que agir.
JC - E qual a saída para as dívidas dos países?
Ouriques - A natureza da crise do Estado não é fiscal, é financeira. O Estado é incapaz de pagar (a dívida). Por isso já teve moratória na Grécia e vai ter que haver moratória em todos os lugares, inclusive no Brasil. É preciso uma moratória imediata no Brasil. Em 2009 o governo federal destinou 34% de tudo que arrecadou para juros e amortizações das dívidas externa e interna. Enquanto isso, para habitação foram 0,6%, para educação, 2,46%, e para ciência e tecnologia, 0,5%. É um escândalo.
JC - E os riscos de uma moratória? São contratos já firmados.
Ouriques - Se houver uma moratória por parte do Brasil, o que acontecerá? Amanhã, o sol continuará nascendo e o rio Guaíba vai continuar correndo em Porto Alegre. O capitalismo todo santo dia rompe contratos. Escritórios de advocacia ganham milhões todos os anos com rupturas de contratos. É inerente ao sistema capitalista. Por que o Estado não pode fazer?
JC - Além da moratória, o senhor também defende uma auditoria da dívida.
Ouriques - Exatamente, assim como fez o Equador (em 2007), para verificar o conjunto de irregularidades. A dívida está sendo contraída à revelia da Constituição brasileira, com um conjunto de ilegalidades de todo o tipo. O combate à corrupção do Estado começa com uma auditoria da dívida, com a presença de órgãos internacionais, de sindicatos, do governo, do Congresso e dos empresários. A partir daí, é preciso estabelecer um novo tipo de negociação com os credores, sobre novas bases, o que diminuiria radicalmente o valor da dívida. Assim, o governo poderia governar e a democracia faria sentido.
JC - Além da dívida do governo federal, há dívidas de estados com a União, como é o caso do Rio Grande do Sul.
Ouriques - É evidente que o governador Tarso Genro (PT) precisa fazer uma auditoria dessa dívida. E precisa, inclusive, discutir o seu não pagamento. O Rio Grande do Sul é o caso crônico de uma dívida que não tem saída. O governador está inviável, me surpreende que Tarso não queira discutir esse assunto publicamente. Ele deveria determinar que a Secretaria da Fazenda publicasse todos os números desse vertiginoso e ilegal endividamento do Estado. Do jeito que está, os governadores se transformaram em administradores da crise, não em promotores da justiça social e do desenvolvimento. Tarso se elegeu com um monte de promessas, mas não pode cumpri-las. A única forma de fazer a dívida parar de crescer é com uma moratória. Se o governo continuar pagando, a dívida cresce.
JC - Como o senhor avalia os protestos que estão se multiplicando espontaneamente ao redor do mundo contra o capitalismo? Nos Estados Unidos, segue a ocupação de Wall Street, sede da bolsa de Nova York.
Ouriques - Esses movimentos irão crescer cada vez mais. As manifestações estão mostrando que não temos todo o poder, que somos fracos, mas que estamos reagindo - que é o mais importante. Os partidos políticos estão se revelando inúteis nesse momento. Aqui no Brasil, a timidez do PT e de seus aliados é um escândalo. A sociedade sempre encontra formas de manifestar sua rebeldia.
JC - Analistas têm dito que os manifestantes em Wall Street não possuem líderes.
Ouriques - Essa ideia de protestar contra tudo e todos, como ocorreu na Argentina, em 2001 - ‘que se vayan todos' -, está se mostrando viável em escala global.
JC - O senhor acredita em reflexos dos protestos no Brasil?
Ouriques - No primeiro semestre de 2012 teremos uma grande movimentação de massas no Brasil. Já começou um ajuste fiscal desmedido, o preço das matérias-primas despencou no mercado mundial. A crise vai se aprofundar no País. A inocência e a ignorância de economistas e jornalistas que supõem que o Brasil não será afetado pela crise é uma irresponsabilidade. A crise se instaurou, vem com força e pegou o Brasil. No ano que vem, vai estourar. As massas não vão aceitar o ajuste fiscal. A consciência está sendo retomada nas classes populares. O número de greves será muito mais intenso.