16/05/2011 JORNAL DO COMÉRCIO
Fernanda Bastos e Samir Oliveira
Ex-governador defende a oposição que a bancada do PP vem fazendo ao governo Tarso.O ex-governador Jair Soares (PP) está acompanhando os debates sobre a reforma previdenciária no Estado. Ele prega uma auditoria nas contas. "Proponho que seja feita uma auditoria do crédito que o IPE tem no Tesouro do Estado." Ex-ministro da Previdência, ele argumenta que é injusto aumentar a alíquota de contribuição dos servidores que recebem acima do teto do INSS, R$ 3.689,66 - como está propondo o governador Tarso Genro (PT) -, porque esses já pagam mais proporcionalmente. E observa que o reajuste na alíquota de 5,5 pontos percentuais representa um aumento de 50%.
O progressista também critica a intenção do Palácio Piratini de aprovar o projeto de lei em 30 dias. E avalia que ainda faltam, na proposta, cálculos atuariais, estatísticos e demográficos. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Jair Soares argumenta que a alteração no sistema de contribuição para a aposentadoria proposta por Tarso não terá o efeito esperado se vier dissociada da reforma da previdência nacional.
O ex-governador também defende a oposição que a bancada do PP vem fazendo ao governo Tarso. E analisa que, caso a senadora Ana Amélia Lemos (PP) faça um bom mandato, se credenciará para a disputa ao Piratini em 2014.
Jornal do Comércio - Qual é a sua avaliação do projeto do governo Tarso de reforma na previdência estadual?
Jair Soares - Primeiro, o projeto não pode ser examinado só em 30 dias, por causa da magnitude do assunto, que envolve passado, presente e futuro das pessoas, idosos e trabalhadores, os atuais e os futuros. Segundo, o aumento da alíquota é de 50% se a contribuição for para 16,5%. Porque hoje é 11%, e 11% dividido por dois dá 5,5%. E 5,5 pontos percentuais com 11% dá 16,5%. Um aumento de 50% para qualquer coisa é um absurdo.
JC - Os servidores do Estado reclamam que de reposição salarial ninguém fala, mas que sempre há proposta para que eles contribuam mais.
Soares - Vamos comparar um que ganha R$ 20 mil com outro que ganha R$ 2 mil. A contribuição do que ganha R$ 2 mil de 11% - não estou falando do IPE Saúde que é 3,1% - dá R$ 220,00. O que ganha R$ 20 mil contribui com R$ 2.200,00. Então, não dá para dizer que é muito justo aumentar a alíquota dos que já pagam mais. Diziam que os funcionários públicos não pagavam... Mas só para vocês terem uma ideia: o material para construir Brasília veio com o dinheiro da previdência. Esse orçamento da previdência social tem que estar capitalizado, porque é um regime contributivo, compulsório, solidário e de repartição. Tem que estar aplicado e tem que ter cálculos matemáticos, estatísticos e demográficos.
JC - E esses cálculos aparecem nas propostas?
Soares - Nem no governo federal nem aqui existem esses cálculos. Proponho que seja feita uma auditoria do crédito que o IPE (Instituto de Previdência do Estado) tem no Tesouro do Estado. Depois, uma auditoria junto ao INSS. Outra coisa que me chama muito a atenção é que já temos três tipos de aposentadoria no Estado.
JC - Quais?
Soares - Temos o regime próprio dos servidores, que é o que eles descontam 11% dos funcionários e 22% do empregador. Temos o regime dos militares e temos o regime dos celetistas, que pagam os mesmos 11%. Só que a diferença entre o regime próprio dos servidores públicos do Estado é que o funcionário paga sobre o bruto. Se ele ganha R$ 10 mil, ele paga 11% sobre R$ 10 mil. Os celetistas pagam 11% sobre R$ 3.689,66. Por isso que não tem na aposentadoria a mesma integralidade ou paridade. É isso que falta. É isso que deveriam estender no regime celetista, porque tem recursos.
JC - A proposta do Piratini poderá gerar uma demanda de processos judiciais?
Soares - Sim. Ocorreu no Paraná. E já tem Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) de cobrança de inativos que não podem cobrar.
JC - A auditoria no IPE seria para mostrar que o Estado não está pagando sua parte?
Soares - Não é que o Estado não esteja pagando a parte dele. O IPE tinha tanto dinheiro que fez casa para os servidores, havia a vila dos comerciários, dos industriários, dos bancários, porque sobrava dinheiro. Era dinheiro do trabalhador e a casa era para o trabalhador; ele podia fazer empréstimo lá. Agora, cobrar do aposentado que já pagou a conta é amoral, é imoral. Aí o aposentado tem que pagar para se aposentar. Vamos ter uma demanda judicial grande se se tentar fazer isso. Porque já está na Constituição. Imagina, cada um que vem para o governo aumentar a alíquota. Aí tem que entrar na Justiça para sobreviver.
JC - A proposta do Piratini pode não resolver o déficit da previdência?
Soares - Mas cadê o cálculo atuarial, matemático, estatístico e demográfico? Não pode fazer assim. Não é questão de querer. Eles estão batendo nisso: os ativos não pagam os inativos. Mas não é essa a conta. O inativo já pagou a conta dele há 30 anos se for mulher e, se for homem, há 35 anos. O que fizeram com o dinheiro não é problema dele. Se construíram Brasília, se ficou no Tesouro aqui (do Estado), isso não é problema dele. A conta ele já pagou. E para mudar o sistema, tem que mudar a nomenclatura no Estado. Se tem um médico sanitarista e agora quer botar um outro programa, um outro servidor que entrar no novo concurso, pela nova lei, se fizer a mesma atividade e se tiver o mesmo nome, vai entrar na Justiça e vai ganhar. Trabalhos iguais, salários iguais. Não é fácil mudar.
JC - O senhor acha que seria necessário um projeto com mudanças a longo prazo?
Soares - No mundo inteiro, o que estão fazendo são revisões do sistema de previdência. Inglaterra, Alemanha, Itália e Espanha têm leis que, de cinco em cinco anos ou de três em três anos, fazem uma mudança, uma análise, revisam os cálculos atuariais e demográficos - taxas de natalidade, de mortalidade, e, em alguns tipos de benefícios, de morbidade. E, aqui no sistema brasileiro, deram coisas que não podiam dar. Porque, para você dar um benefício novo, é preciso que tenha fonte de custeio. O sistema é contributivo, não perguntam se querem contribuir com o INSS, é obrigatório.
JC - O projeto não terá efeito se vier dissociado de uma reforma em nível federal?
Soares - Tudo que se faz no Estado em matéria constitucional tem que seguir a Constituição Federal. Então, o
que está lá tem que estar aqui.
JC - Então, o senhor defende que o Estado encabece uma reforma para depois os estados fazerem mudanças
locais?
Soares - Na previdência, quantas reformas ainda vão fazer? Todos os governos que vieram fizeram reformas. Até o governo (de Germano) Rigotto (PMDB, 2003-2006), o funcionário pagava 5,4% do IPE Previdência e 3,6% para o IPE Saúde. Aí, resolveram passar de 5,4% para 11%, e diminuir os 3,6% da saúde para 3,1%. Só que o Estado retém e usa os recursos. E não remunera. Por exemplo, os depósitos judiciais: aprovamos na Assembleia quando Rigotto pegou esse dinheiro que a remuneração e o balizador da remuneração é a taxa Selic, que é a taxa mais alta do Brasil. E esse dinheiro que tinha que entrar para o Tesouro é uma fábula. Os inativos já pagaram, não têm que pagar de novo.
JC - E o tempo do debate?
Soares - Os cálculos atuariais são indispensáveis. Senão, é um voo cego. Esses países que citei, o que eles fazem? Modificam algumas coisas, vão como um parafuso: apertando. E analisam a expectativa de vida, por exemplo. Vamos para a Espanha. Quando essa lei foi feita, qual era a expectativa de vida? Digamos que para o homem era de 63 anos, e, para a mulher, 69 anos. E agora para a mulher é de 72 anos e para o homem, 68 anos. Então, estica-se o tempo de contribuição para compensar. Mas isso não pode ser de acordo com a vontade de cada um. Tem que ter o cálculo atuarial, matemático, demográfico e estatístico.
JC - Outra proposta do pacote é a limitação do valor da receita corrente líquida do Estado para pagamentos de Requisições de Pequeno Valor (RPVs). Alguns beneficiados reclamam da insegurança que essa mudança poderá trazer.
Soares - Isso é muito injusto. É uma sentença transitada em julgado que não está sendo cumprida. Quando era deputado estadual, no mandato de 2003 a 2006, fizemos uma subcomissão na Comissão de Finanças e apontamos 18 itens para tentar solucionar o problema que envolvia ações contra o governo estadual. Mas esse projeto não foi aprovado. Agora, o (deputado) Frederico Antunes (PP) está fazendo uma outra comissão (Especial dos Precatórios Judiciais do Rio Grande do Sul). Vamos ver se agora aprovam. A maior injustiça é que esses precatórios são ordens de pagamento. É um dinheiro que já está contabilizado que o Estado deve, já foi lançado nas despesas...
JC - E a proposta de diminuição do valor destinado às RPVs - chamadas de "pequenos precatórios" -, que deve ser limitado a 1,5% da receita corrente?
Soares - No meu governo, não tive precatórios, não deixei dívida. Mas aí vieram alguns governantes que deixaram dívidas. E foi crescendo. Os precatórios hoje no Brasil são da ordem de R$ 100 bilhões. No Estado, R$ 8 bilhões. Da maneira como estava previsto pagar, levaria 30 anos para quitar a dívida. Agora, desta outra maneira, que vai reduzir ainda mais, principalmente as de baixo valor, vai demorar ainda mais. E o problema é o seguinte: 90% são alimentares, de pessoas já idosas. E ainda vão entrar os novos precatórios.
JC - E de maneira geral, como o senhor avalia o atual governo?
Soares - É difícil fazer uma análise do ponto de vista administrativo. Ele (o governador Tarso Genro) construiu maioria na Assembleia Legislativa. Os governantes ganham eleições e depois fazem coligações. Quando ganhei a eleição (em 1982), meu partido fez 25 deputados estaduais e 14 federais. E não quis fazer nenhum acordo para obter a maioria de 28 deputados na Assembleia. Só três partidos tinham assento: PMDB, PDT e PDS.
JC - O senhor considera importante ter uma oposição forte. Mas aqui no Estado, a bancada do PP na Assembleia tem recebido críticas de lideranças e da senadora Ana Amélia Lemos que consideram tímida a oposição progressista ao governo.
Soares - Não é bem isso, porque o PP na Assembleia votou mais contra o governo do que com ele. Foi feito um levantamento sobre isso e enviado para a senadora. Estamos levando essa informação aos dirigentes em encontros no Interior. O que chamou muito a atenção foi que, quando houve o pedido de comissão parlamentar de inquérito (CPI do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem, o Daer, em março), todos os partidos esperavam que o PP fosse assinar. Não o fazendo, acharam que estávamos numa posição de dubiedade. E não é verdade. Estávamos apenas analisando se havia objeto para fazer uma CPI.
JC - Após a vitória no primeiro turno, Tarso fez vários movimentos em direção ao PP. Chegou a se cogitar que o partido pudesse aderir ao governo.
Soares - Ele quis mostrar ao povo rio-grandense que gostaria que houvesse uma pacificação no Estado. Terminada a contenda eleitoral, é dos vencedores o dever ético e político de mostrar que ele não vem com propósitos revanchistas. Nunca foi oferecido praticamente nada ao partido, até porque não havia esse intuito nem por parte do governo nem por parte do PP.
JC - A senadora Ana Amélia Lemos surgiu como nova liderança do PP no Estado. Com os números da eleição para o Senado, ela se credencia para disputar o Piratini em 2014?
Soares - Não há dúvida de que ela é uma liderança emergente e preparada. Mas tem muito o que fazer dentro do Senado para se credenciar ainda mais. Ela deu o primeiro passo no campo político. Se a eleição fosse agora, seria nossa candidata ao governo do Estado.
Perfil
Jair Soares tem 77 anos e é natural de Porto Alegre. Ingressou no antigo PSD quando fazia política estudantil. Graduado em Odontologia e Direito, também atuou como corretor de imóveis. Mas foi no serviço público que fez carreira. Era funcionário concursado do Estado quando foi chamado para trabalhar na Secretaria de Obras Públicas no primeiro governo (1955-1959) de Ildo Meneghetti. Também atuou no Instituto Riograndense do Arroz (Irga) e em diversos cargos na Assembleia Legislativa. Com o bipartidarismo após o golpe militar, filiou-se à Arena. Foi presidente da Comissão Estadual de Compras, secretário estadual da Administração e secretário da Saúde. Em 1978, concorreu pela primeira vez a um cargo eletivo. Fez 100 mil votos para deputado federal. No Congresso, foi chamado pelo presidente João Figueiredo para ser ministro da Previdência, onde permaneceu de 1979 a 1982. Neste ano, já no PDS, venceu a primeira eleição direta na redemocratização para o governo do Estado. Depois, foi vereador em Porto Alegre, deputado federal e deputado estadual, cargo para o qual não foi reeleito em 2006, pelo PP. Atualmente, é presidente da Fundação Walter Peracchi de Barcellos, que é ligada à Brigada Militar - é o primeiro civil que coordena a instituição.