25/04/2011 VALOR ECONÔMICO
No ano passado, houve uma grande discussão sobre a forma como o governo cumpriu a meta de superávit primário. Já no fim do primeiro trimestre de 2010, os analistas do mercado começaram a colocar em dúvida a possibilidade de que a meta fiscal de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) pudesse ser alcançada. O resultado de apenas R$ 16,8 bilhões obtido de janeiro a março não era animador. Ele tinha sido menor que o registrado em igual período de 2009, quando o Brasil padecia dos efeitos da crise financeira internacional.
Em setembro de 2010, o Tesouro Nacional vendeu 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal para a Petrobras. Na ocasião, usou parte da receita apurada com essa venda para participar da capitalização da Petrobras e, ao final do processo, ficou com R$ 31,9 bilhões em caixa. Foi esse dinheiro que permitiu ao governo quase cumprir a sua meta no superávit primário, que era de 2,15% do PIB.
O problema é que toda a operação representou a transformação de uma emissão de títulos em receita primária. O Tesouro Nacional emitiu títulos para capitalizar a Petrobras, que, por sua vez, utilizou os mesmos papéis para pagar o petróleo que comprou. Em outras palavras, uma operação financeira (emissão de títulos) retornou ao caixa do Tesouro sob a forma de receita primária, obtida com a venda do petróleo, considerada uma receita de concessão.
Na época, vários economistas criticaram a operação, chamando-a de "contabilidade criativa". Alguns chegaram mesmo a dizer que a meta de superávit primário tinha perdido o sentido.
Em novembro do ano passado, o governo reduziu a meta fiscal do setor público consolidado (União, Estados e municípios) de 3,3% do PIB para 3,1% do PIB, com o argumento de exclusão da Eletrobrás do cálculo do superávit, a exemplo do que tinha feito com a Petrobras, o que intensificou as críticas.
A trajetória da política fiscal este ano parece ser outra. Como este jornal informou na semana passada, o superávit primário do setor público nos três primeiros meses de 2011 ficou próximo a R$ 40 bilhões, o que significa que cerca de um terço da meta fiscal deste ano já foi cumprida. Se essa tendência for mantida nos próximos meses, o mercado não terá grandes motivos para duvidar de que a "meta cheia" deste ano, de R$ 117,89 bilhões, será alcançada. A "meta cheia" é obtida sem o desconto dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o governo poderá reduzir a meta fiscal em até R$ 32 bilhões.
Confirmados os resultados do primeiro trimestre, pode-se inferir que o governo da presidente Dilma Rousseff estaria retornando ao padrão fiscal que prevaleceu até a crise financeira internacional, em 2008, quando as metas de superávit primário foram cumpridas de forma plena, sem desconto do PAC, e muita vezes com folga. Em 2008, por exemplo, o superávit foi tão elevado que uma parcela deste pode ser destinada à criação do Fundo Soberano do Brasil (FSB).
Nos dois últimos anos do mandato do ex-presidente Lula, o governo mudou a gestão fiscal, reforçando o seu viés expansionista. Algo que era plenamente justificável em 2009, mas que, em 2010, somente as razões eleitorais poderiam explicar.
O retorno ao padrão de austeridade fiscal que caracterizou o período pré-crise global está sendo facilitado, é verdade, pelo impressionante aumento da arrecadação tributária. De janeiro a março deste ano, a receita do governo federal com tributos atingiu R$ 228,2 bilhões - um crescimento real de 12% sobre igual período do ano passado. A receita do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) voltou ao nível de antes da crise, depois do fraco desempenho do ano passado, o que mostra a recuperação das empresas, segundo o secretário da Receita Federal do Brasil, Carlos Alberto Barreto.
A arrecadação de 2011 será reforçada também pela elevação das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no crédito às pessoas físicas, com o objetivo de conter a demanda, e na entrada de recursos externos no país, com o objetivo de evitar a sobrevalorização do real.
Se uma crítica pode ser feita esta é de que o resultado das contas públicas este ano ainda decorrerá, principalmente, do desempenho da arrecadação e não da contenção dos gastos com o custeio da máquina pública, embora o governo tenha anunciado um ajuste de R$ 50 bilhões em suas despesas. Do ponto de vista da ajuda que a gestão fiscal poderá dar à política monetária para o desaquecimento da demanda e o controle da inflação, porém, o efeito é o mesmo.