11/04/2011 O ESTADO DE SÃO PAULO
Autor(es): Márcia De Chiara
Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Central (BC) entre 1980 e 1983, período marcado pela hiperinflação, considera que o reajuste do salário mínimo no ano que vem será um "choque" que vai afetar a inflação. Cálculos preliminares indicam que o reajuste do mínimo em 2012 deve ficar perto de 14%.
"O governo tem de aproveitar a trégua do salário mínimo deste ano para trazer a inflação rapidamente para mais próximo do centro da meta. Isso porque, em 2012, a partir de março ou abril, teremos de novo um fato negativo em termos de expectativas, que é o reajuste do salário mínimo", adverte o economista. Ele ressalta que essa é "uma questão de urgência".
Para atenuar os efeitos do "choque do salário mínimo", Langoni recomenda que o governo ponha em prática o ajuste fiscal anunciado e coordene as políticas monetária e de crédito. "Só se combate inflação com a melhor coordenação entre política fiscal e monetária." A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual o impacto do reajuste do mínimo na inflação de 2012?
Vai ser um choque, um aumento real enorme, porque a fórmula de reajuste do salário mínimo prevê uma correção pela inflação passada, mais o crescimento do PIB de dois anos anteriores. Mesmo que haja uma moderação nos preços das commodities, o que é ainda uma grande interrogação, vamos ter esse impacto negativo desse mega reajuste de salário mínimo. Ele tem impacto não só diretamente sobre o salário mínimo. Vai pressionar muito as contas públicas, principalmente de Estados e municípios, onde existe uma grande parcela da folha de pagamento que recebe em torno do salário mínimo, mas indiretamente em termos de expectativas. Como o mercado de trabalho continua muito apertado, estamos operando em pleno emprego e vamos continuar numa situação não muito diferente da atual, isso pode estimular pressões salariais em outros segmentos. E a referência será o reajuste do salário mínimo.
Esse choque do salário mínimo vai afetar as expectativas?
Vai afetar a inflação negativamente, inclusive em termos de expectativas. As expectativas estão rígidas e têm de ser quebradas agora. O governo tem de aproveitar esse espaço para trazer a inflação rapidamente para mais próximo do centro da meta este ano porque, em 2012, a partir de março, abril, teremos de novo um fato negativo em termos de expectativas, que é o reajuste do salário mínimo.
O sr. acha que o Banco Central (BC) deveria subir os juros até dezembro para preparar a economia para esse choque previsto?
O ideal seria não só subir juros, mas, de fato, implementar o aperto fiscal anunciado. O ideal seria acelerar o processo de corte de gastos para ajudar a política monetária. Não deixar a política monetária sozinha, sem apoio, porque a política fiscal apertada dá mais margem de manobra ao BC. Acho que é uma questão de urgência. Aproveitar este ano que o reajuste do salário mínimo foi corretamente mantido num nível menor. Nós ganhamos aí um ano. Esse ano é importante para iniciar o ano que vem, de preferência, com a inflação já rodando abaixo de 6%.
O sr. acha que o reajuste do mínimo pode inviabilizar o cumprimento do centro da meta em 2012, como quer o BC?
O reajuste do salário mínimo aumenta a responsabilidade do BC e do governo de uma forma geral, em termos de política fiscal, de exercer o controle da inflação, eliminar a gordura inflacionária, esse excesso de demanda. Se olharmos dados de vendas do comércio, a demanda continua crescendo em torno de 8% em termos reais. É um número muito alto. É preciso trazer essa demanda para algo em torno de 5%, isto é, cortá-la quase pela metade. Para isso, é fundamental desacelerar principalmente os gastos públicos, que vinham crescendo na faixa de 9% nos últimos dois anos em termos reais. É uma tarefa urgente, principalmente a parte fiscal. Na política monetária, o BC tem de manter o ciclo de alta de juros até quebrar essa rigidez das expectativas. O BC não deve determinar o fim do ciclo de aperto monetário. Outra coisa importante: a contenção do crédito é complementar à alta de juros, e não substituta.
O sr. acha que o BC tem de carregar as tintas nos juros, não no aperto de crédito?
Nos dois. O crédito atinge apenas uma parte da demanda, aquela que depende de financiamentos. Existe outra parte importante da demanda que é a área de serviços e bens não duráveis, que não são afetados pelo crédito, mas são afetados pelo aumento dos juros de uma forma generalizada. Porque os juros impactam a demanda de uma forma mais ampla. O importante é que juros e crédito sejam tratados como complementares. Um apoia o outro.
O sr. acha que o BC está sendo muito bonzinho?
Na verdade, o BC está testando uma situação que é complexa. Houve, de fato, um megachoque das commodities. Isso não quer dizer que o BC tenha de aceitar passivamente esse choque exógeno. Ele tem de evitar a multiplicação desse choque das commodities sobre todos os preços da economia. Por isso, na minha opinião, você só combate inflação com a melhor coordenação com política fiscal e monetária.
Então o governo tem um grande problema pela frente?
Tem, porque não podemos esperar o fim do ciclo das commodities para só então ver se a inflação vai ceder. A inflação está acima de 6% ao ano, os IGPs estão em níveis muito elevados, a economia ainda é indexada. Temos de aproveitar o espaço deste ano e desacelerar a economia. Até porque o próprio BC já aceita que o PIB não pode crescer muito mais do que 4%. Neste ano, o reajuste do mínimo ajudou a conter as expectativas porque foi moderado. Tivemos uma trégua neste ano que tem de ser bem aproveitada em termos de combate à inflação. A questão de combater a inflação hoje é uma precondição do sucesso das políticas sociais de crescimento e redistribuição de renda que o País vem se destacando em relação a outros Brics. Uma coisa que diferencia o Brasil da China, Índia e Rússia é que nós estamos crescendo com redução de desigualdade. Isso se deve, em grande parte, à estabilidade de preços duramente conquistada. Não podemos ser, de uma certa forma, complacentes com a situação.