25/03/2011 O GLOBO
Carolina Brígido
Presidente do TSE diz que lei está em vigor, mas que mudanças podem ocorrer até 2012
Ojulgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu anteontem que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada às eleições de 2010 não foi o ponto final nas discussões sobre o assunto. A legislação ainda pode sofrer alterações, se alguns dos artigos forem questionados na Corte. Na sessão de quarta-feira, quatro ministros já reclamaram da possibilidade de declarar alguém inelegível por ato praticado antes da edição da lei - renúncia ao mandato, por exemplo. Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente do STF, Cezar Peluso, citaram esse tema como um problema:
- Essa exclusão da vida pública com base em fatos acontecidos antes do início de vigência da lei é uma circunstância histórica que nem as ditaduras ousaram fazer. As ditaduras cassaram. Nunca foi editada uma lei para a pretexto de punir fatos praticados antes de sua vigência - ponderou Peluso.
- Tem que ter cuidado com isso. Se você puder apanhar fatos da vida passada para atribuir efeitos futuros, talvez não haja limites. A questão é a vida pregressa? Tudo bem, a lei tem que anteceder a esses fatos. Todos estamos a favor da depuração da vida pública. Agora, é preciso respeito às instituições - disse Gilmar ontem.
Gilmar também reclamou do tempo de inelegibilidade previsto para quem foi condenado por improbidade administrativa. Segundo a Lei da Ficha Limpa, a perda dos direitos políticos é contada a partir da condenação por órgão colegiado, sem a necessidade de trânsito em julgado (ou seja, mesmo que ainda seja possível recorrer da condenação). No entanto, a pena prevista na Lei de Improbidade Administrativa é aplicada apenas após o julgamento final. Na soma das duas penalidades, um político pode ficar inelegível por mais de 30 anos.
- É natural que a suspensão dos direitos políticos seja só depois do trânsito em julgado, e agora já se aplica de forma antecipada. Me parece que aqui precisa haver um ajuste - disse Gilmar.
OAB questionará STF sobre constitucionalidade
Sobraram críticas também aos parlamentares: Gilmar criticou o que chamou de falta de prudência do Congresso por ter aprovado uma lei em ano eleitoral, pois ela teria criado "ilusões". Agora, os votos dados aos fichas-sujas serão validados e eles poderão assumir os cargos hoje ocupados por outros parlamentares.
É preciso ter prudência. Não se deve aprovar lei no período eleitoral para que não se vendam ilusões. É quase que uma placa de advertência (a Constituição). O tribunal mostrou que não vai chancelar aventuras - concluiu Gilmar.
O ministro Ricardo Lewandowski, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), esclareceu que a única conclusão do julgamento de quarta-feira é a de que a Lei da Ficha Limpa não tem validade para 2010. Sobre o futuro, "não tem nada seguro", disse:
- Essa foi a única decisão tomada. O Supremo não se pronunciou sobre a constitucionalidade da lei. Formalmente, a lei está em vigor e se aplicará às eleições de 2012. Mas não significa que ela esteja imune a futuros questionamentos.
O ministro Carlos Ayres Britto, que votou pela validade imediata da lei, disse ter esperanças de que a norma vigore nas eleições de 2012. Ele acha que, num eventual julgamento de constitucionalidade, a lei não será derrubada:
- Ninguém é inocente ou ingênuo para perceber que, sobre a aplicabilidade da lei nas eleições de 2012, haverá sempre questionamento. Pelo que se percebeu ontem no STF, o clima é de reconhecimento da constitucionalidade de todo o texto da Ficha Limpa. Não se conseguiu a plenitude da eficácia da lei, pelo menos no plano temporal, mas o conteúdo da lei deverá ser aplicado sem maiores questionamentos em 2012.
Para esclarecer dúvidas sobre a constitucionalidade da lei, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcanti, disse que a entidade estuda entrar com uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC):
- O Supremo já disse que a lei valerá para as próximas eleições. A OAB já pensa em se antecipar e entrar com uma ADC para definir a questão. O fato é que, quem quiser se eleger, terá que ter ficha limpa - disse Ophir.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, aposta que haverá mudanças na lei:
- A Ficha Limpa ainda terá que evoluir, porque o mérito da solução bate muitas vezes de frente com presunções de inocência que todos têm no processo de decisão judicial. É um processo que tem que ser muito bem equilibrado, para evitar que haja inocentes condenados por antecipação, a pior situação possível - opinou.