31/01/2011 Estadão
Com a ajuda de manobras fiscais que deram um reforço de caixa superior a R$ 33 bilhões, o governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social
e Banco Central) conseguiu cumprir a meta de superávit primário de 2010, fixada em 2,15% do Produto
Interno Bruto (PIB). A economia para o pagamento de juros da dívida pública fechou o ano passado em
R$ 79 bilhões (2,16% do PIB). O resultado foi comemorado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega,
que aproveitou para criticar relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) que aponta uma
deterioração das contas públicas brasileiras. Mesmo assim, ele admitiu que a meta fiscal do setor
público consolidado — que inclui estados, municípios e estatais e que será divulgada na
segunda-feira pelo Banco Central (BC) — não foi atingida.
Isso significa que, para chegar aos 3,1% do PIB fixados como meta anual do setor público, a equipe
econômica teve que abater das despesas parte dos investimentos previstos no Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) — contrário ao que prometia o governo. Segundo Mantega, este abatimento se
deve a dificuldades que estados e municípios tiveram para fechar suas contas: — Em relação a
estados e municípios, eu acredito sinceramente que eles não vão cumprir integralmente (a meta de
2010), então, vai faltar alguma coisa para completar os 3,1% e se usará parte do PAC. Mas estamos
melhorando.
Mantega adiantou que o déficit nominal — diferença entre receitas e despesas do setor público,
incluindo o pagamento de juros da dívida — ficará entre 2,4% ou 2,7% do PIB em 2010, menor do que
em 2009 (3,34%). A dívida pública também diminuiu sobre 2009: de 42,5% para 41% do PIB.
O ministro classificou a visão do FMI de equivocada e disse que “as bobagens” do relatório Monitor
Fiscal — que para ele “não é muito importante” — devem ter sido escritas por um “velho ortodoxo” do
Fundo.
— O diretor-gerente do FMI (Dominique Strauss-Khan) deve ter saído de férias e aí algum daqueles
velhos ortodoxos do Fundo Monetário escreveu esse monitor e falou essas bobagens em relação ao
Brasil — disse.
Segundo o relatório, Brasil, China e Índia usaram aumentos de arrecadação para financiar gastos
maiores. E o FMI prevê um patamar diferente para o déficit nominal em 2011, de 3,1%, questionado
por Mantega, que cita 1,8%.
O superávit primário do governo central de 2010 equivale ao dobro do de 2009: R$ 39 bilhões. Em
dezembro, ficou em R$ 14,4 bilhões (o maior já registrado para o mês), contra R$ 1 bilhão de
novembro. Houve forte aumento na arrecadação tributária, como PIS, Imposto de Renda da Pessoa
Jurídica e Contribuição Social sobre Lucro Líquido.
Mas, em 2010, a equipe econômica utilizou artifícios para fechar as contas. A operação de
capitalização da Petrobras, por exemplo, rendeu R$ 32 bilhões ao Tesouro em receitas primárias. E
R$ 1,4 bilhão veio da venda para o BNDES de títulos da União na Eletrobras.
— O governo fechou suas contas por meio de uma contabilidade criativa. Sem os R$ 32 bilhões da
Petrobras, por exemplo, o primário do ano teria ficado em 1,26% do PIB — afirma o economista da
consultoria Tendências Felipe Salto.
O governo Lula conseguiu manter as contas públicas equilibradas, mas entregou gastos recordes em
2010.
— O governo perdeu a oportunidade de reduzir despesas com custeio e pessoal e acabou tendo que
aumentar investimentos para fazer o país crescer. Um gasto não substituiu o outro — disse Salto.
Pelos dados do Tesouro, os gastos da União, que eram de 15,14% do PIB em 2003, chegaram a 19,14% em
2010. As receitas subiram de 17,44% para 21,3%.
— O governo Lula conseguiu manter o equilíbrio das contas, mas se apoiou mais no crescimento
econômico e na alta das receitas do que na redução das despesas. A qualidade do gasto não melhorou
— disse Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
Em 2010, as despesas com pessoal cresceram 9,8% em termos nominais, enquanto as de custeio
cresceram 17,2% e os investimentos, 38%. Já as receitas tiveram alta de quase 30%.
Mantega disse que o quadro fiscal é resultado de uma política anticíclica — de aumento de
investimentos e gastos públicos para impulsionar a economia na crise — que foi receitada pelo FMI:
— O próprio diretor-gerente em diversas ocasiões sugeriu isso. Fizemos à risca. E agora o Fundo diz
que houve uma piora. Isso não procede.
Para 2011, o ministro e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, prometem cumprir a meta cheia de
superávit primário, fixada em 3% do PIB.
Texto de Martha Beck