15/12/2010 CORREIO BRAZILIENSE
O governo se apressou em divulgar as instruções para a declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) do ano que vem, mas mantém silêncio absoluto em relação ao apelo dos contribuintes para que a tabela de desconto dos salários seja corrigida. Do início do ano até novembro, o Leão já abocanhou em média R$ 700 de cada trabalhador, somente nessa rubrica, somando R$ 16,4 bilhões. O valor é recorde para o período e pode ser ainda maior em 2011, pois a atualização das deduções de 4,5%, aplicada nos últimos quatro anos, deixará de valer a partir de janeiro.
A correção da tabela é resultado de um acordo firmado entre as centrais sindicais e o governo, com a intenção de reduzir a defasagem no cálculo do IR em relação à perda de valor dos salários, ocasionada pela inflação. Atualmente, essa diferença está em 64,1%, segundo o Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal (Sindifisco Nacional). O benefício, no entanto, encerra-se este ano e a resistência da equipe econômica em aceitar a sua revisão tem explicação. Conceder a correção significa abrir mão de receitas em um ano no qual a atividade econômica mais fraca deve encurtar ainda mais o cobertor necessário para cobrir a dispendiosa máquina pública.
Com a manutenção da tabela, a estimativa é de que o recolhimento de imposto retido na fonte para o trabalhador médio (com salário entre R$ 1 mil e R$ 3 mil) aumentará em cerca de 5,5%. Para o especialista em contabilidade Vicente Sevilha Jr., o medo da inflação é outro fator que leva o governo a não prorrogar o benefício. “Corrigir a tabela agora seria não apenas reconhecer que há inflação (já que o desconto serve justamente para anular esse efeito), como aumentar o risco inflacionário, pois o contribuinte ficaria com mais dinheiro na mão para consumir. Nesse cenário, há uma enorme tendência de o governo resistir a todo custo”, comentou.
Sevilha lembrou, no entanto, que a definição em torno da polêmica tem caráter político, o que transcende a discussão econômica. “O governo é mais amplo do que a equipe econômica e, indiscutivelmente, do ponto de vista social, correção da tabela é justa. A pressão popular e dos próprios ministérios da área social deve influenciar nessa decisão”, afirmou.
Apelo
De acordo com o subsecretário de tributação e contencioso da Receita, Sandro Serpa, o Planalto ainda não encomendou nenhum estudo ao Fisco com cálculos para a prorrogação do benefício. “Claro que essa definição não precisa passar obrigatoriamente por nós, mas não é usual que a correção da tabela do IR seja feita sem que a instituição seja consultada”, comentou.
Para a Força Sindical, a manutenção da tabela do IR prejudicará milhares de trabalhadores, que estavam isentos do pagamento do imposto de renda e que deverão entrar na base no próximo ano. Em nota, a entidade lembra que a revisão do mecanismo estava prevista no acordo fechado em 2006 e faz um apelo. “A Força Sindical, junto com as demais centrais sindicais, acredita na sensibilidade do governo sobre a abertura imediata de negociação visando corrigir essa injustiça social”, diz o texto.
O discurso de austeridade fiscal e o aumento do controle de gastos, assumido rapidamente após a eleição de Dilma Rousseff, servem de argumento aos trabalhadores, segundo avaliação de Sevilha. “(Guido) Mantega, ministro da Fazenda, já manifestou a disposição de fazer cortes nas despesas. Se isso for levado adiante, o governo não terá uma necessidade tão grande de arrecadação. Então, teoricamente, poderia conceder a correção da tabela do IR”, ponderou. De acordo com os dados divulgados ontem pela Receita Federal, somente o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) em novembro significou aos cofres um incremento de R$ 6,2 bilhões, avanço de 18,02% em relação ao mesmo mês de 2009.