09/12/2010 CORREIO BRAZILIENSE
Inflação anual acumula 5,64% e preocupa o governo pela indexação ainda ativa e otras cositas más
A história relatada pela variação em novembro do IPCA, o índice dos preços ao consumidor acompanhado pelo IBGE e assumido como a medida oficial de inflação no país, tem adiante alguns desfechos desagradáveis ou não, conforme o ponto de vista, mas, seguramente, longe de configurar um cenário de descontrole ou de superarrocho.
Um deles virá com o aumento da taxa básica de juros, vulgo Selic, iniciando outro ciclo de aperto monetário. Vai-se saber depois que o Banco Central liberar, na próxima quinta-feira, a ata da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), que ainda acontecia antes do fechamento desta coluna. Mesmo com as medidas já tomadas, como o aumento das retenções compulsórias dos depósitos bancários, será difícil ao governo evitar outro tranco da Selic até janeiro.
O índice subiu 0,83% em relação a outubro, com uma trajetória que vem de expansão de 0,45% em setembro e 0,75% em outubro. O IPCA já acumula, em doze meses, uma alta de 5,64% — bem acima do centro da meta de 4,5%, com intervalo de 2,5% a 6,5%, definida pelo governo e delegada ao Banco Central para ser cumprida usando, entre outros instrumentos, a taxa Selic. Nessa toada, a inflação deverá fechar o ano ao redor de 6%, contra 4,3% em 2009 e 5,9% em 2008.
Se houvesse certeza de que daí não passa, os brasileiros poderiam programar o réveillon com tranquilidade. À primeira vista, o bicho é menos feio do que parece. Do aumento de 0,83% em novembro, 51%, ou 0,61 pontos percentuais, decorreram da carestia de alimentos.
O processo é sazonal e tende a perder força. É o previsto, embora se deva receber tal analise com cautela. A inflação de alimentos é tendência de longo prazo, embora intercalada em países produtores, como o Brasil, por períodos de desinflação ou estabilidade.
O problema é a sua propagação para o resto da economia. É isso o que incomoda o BC. Com o consumo a pique, mão-de-obra em falta, já recrutada em favelas no litoral de São Paulo para os projetos de infraestrutura, crédito a toda, é ilusão cogitar inflação mansa.
Ela fica estável mesmo com crédito borbulhando em países onde não há nada mais por fazer, como Suíça e Alemanha, não nos emergentes, tipo China e Índia, ambos já fazendo o que começaremos em breve: a subir juros e espetar prego no caminho que leva ao crédito.
Chaga dos emergentes
Alguma inflação, ainda que inaceitável, é a história reprisada em países com riqueza nacional abaixo da demanda em situação de pleno emprego e o Estado demandado a acelerar o resgate social prometido a longo prazo pelo crescimento econômico. As correntes públicas e privadas alavancadas pelo crescimento arrastam toda racionalidade da estabilidade econômica como cheia do rio arrancando a margem.
É nesse ponto em que se encontra a economia do mundo emergente. O fenômeno da inflação, que contrasta com seu oposto, deflação, nos EUA, Japão e outros desenvolvidos, não é uma chaga só brasileira — e isso pelo deslocamento da dinâmica do crescimento para os países emergentes em consequência da crise de opulência no mundo rico.
De marola a vagalhão
Ufa! Então estamos bem, com nossa inflação na companhia de China e Índia, potências em ascensão no mundo multipolar. Não estamos.
Inflação, no Brasil, com vários setores oligopolizados — sinônimo de poder econômico para ditar preços à revelia dos custos —, carga tributária elástica (imposto também é custo), e correção monetária ainda disseminada, de mensalidades escolares a tarifas de energia e telefonia, passando pelas negociações salariais, qualquer marola vira vagalhão. E demora a refluir. Essa percepção, de ex-dirigente sindical, explica a reverência do presidente Lula com a inflação.
O que garante a renda
Economistas afirmam que o resquício de indexação repercute sobre um terço da variação do IPCA. É uma inflação estrutural, estimada em trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 3% ao ano. Daí para baixo, só passa estrangulando. De fato, é mais. Faltam nessa conta negociações salariais e a política do salário mínimo, cujos reajustes partem da inflação passada como piso.
É assim no mundo. A diferença é que as negociações coletivas são de longo prazo, não ano a ano. E não há indexação. Por isso, o BC de Dilma Rousseff será cauteloso como o BC de Lula. E não porque esteja “vendido” à banca, como diz a crítica tola. É preocupação social. Inflação estável é o mais poderoso instrumento de garantia da renda. Sem controle, a aniquila, já que alimentação consome 23% em média do orçamento das famílias. Ou 40%, para os mais pobres.
Pano verde da Selic
O quadro inflacionário é para ser visto não como obra abstrata e, sim, como uma fotografia. O seu controle não está em causa, embora haja economistas com o pé atrás. É cedo para isso. A discussão no governo é sobre a intensidade dos instrumentos. A impressão é que o BC só opera a Selic, quando, de fato, tem se servido de compras acima da disponibilidade de dólares na praça para induzir a banca a formar posições que valorizam o real. Dólar depreciado incentiva importações, que têm sido um coadjuvante no cerco à inflação.
Como o governo Dilma sugere contemplar alguma desvalorização para empinar a exportação, o BC espera que a Fazenda controle os gastos fiscais para dispensar a parceria cambial e não forçar a barra com os juros. Essa é a questão em aberto sobre o pano verde da Selic.