03/12/2010 VALOR ECONÔMICO
Presidente do comitê de estratégias globais de uma das maiores gestoras do mundo, a Western Asset Management, com US$ 469 bilhões sob gerenciamento, pode-se dizer que o americano Ken Leech é um executivo que prima pela discrição. Tímido, a conversa só vai fluindo à medida que ele vai conhecendo o interlocutor. Mesmo durante os anos em que Leech atuou como chefe global de investimentos da Western - braço de renda fixa da Legg Mason-, suas entrevistas foram bastante raras.
No Brasil pela primeira vez, Leech, que participa hoje de um ciclo de debates promovido pela Western sobre os futuros desafios do país, falou com exclusividade ao Valor. O executivo se diz fã dos títulos de renda fixa do país, denominados em reais, e vem aumento gradativamente a exposição de suas carteiras globais a esses ativos. A diferente taxação entre os títulos de renda fixa públicos e os privados acaba, no entanto, desestimulando os investidores lá fora a comprar papéis corporativos em reais.
Pelas regras, o investidor estrangeiro não paga imposto de renda (IR) ao comprar um título público aqui. Já nos papéis privados, como debêntures, por exemplo, há tributação única de 15%. Se os recursos forem provenientes de paraísos fiscais, aí o aplicador paga IR que varia de 22,5% a 15% conforme o prazo que o investidor permanece com o ativo. Com isso, a preferência entre os títulos privados acaba recaindo sobre os papéis lançados no exterior, de grandes empresas capazes de acessar o mercado internacional.
Mas esse ambiente regulatório, no entanto, terá de mudar, se o país quiser financiar os projetos de infraestrutura necessários para a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada, em 2016, avalia Leech. Na visão dele, o BNDES tem um papel importante no financiamento para as obras de infraestrutura, mas não o suficiente para o quanto será necessário investir. "Isso abre oportunidades não apenas para os aplicadores locais, mas para os globais."
De acordo com Leech, não apenas os papéis públicos atrelados à Selic se mostram bastante interessantes neste momento, como os indexados à inflação. Já os títulos corporativos aparecem em menor posição nas carteiras da gestora. "Mas estamos bastante interessados em papéis de crédito de empresas também."
O executivo acredita que o vigoroso crescimento da economia brasileira continuará, mas ressalta que há dois obstáculos. O primeiro é a Europa e a enorme aversão ao risco que um eventual problema na zona do euro pode causar ao mundo. Os Estados Unidos são outro. Isso porque o programa de compra nos Estados Unidos de US$ 600 bilhões de títulos públicos de longo prazo - o chamado "quantitative easing" - traz uma liquidez abundante para os emergentes.
Mas isso, lembra Leech, cria uma guerra cambial, que vem pressionando para cima a moeda de vários países, inclusive os emergentes. Com isso, os produtos desses mercados acabam perdendo competitividade.
Segundo Leech, o Brasil é um dos mercados emergentes mais importantes para o grupo. No total, a Western tem investidos no país US$ 28 bilhões. A operação da asset local conta com R$ 28 bilhões (cerca de US$ 16,5 bilhões). Já os ativos globais da Legg Mason somam US$ 674 bilhões. Além do mercado brasileiro, a China e as economias asiáticas têm se mostrado bastante interessantes, diz o executivo. "A qualidade da dívida dos emergentes melhorou, o crescimento é alto e, como investidor, é preciso estar nessas áreas."
A inflação é algo sempre no radar dos gestores de renda fixa e, com relação ao Brasil, não é diferente, ressalta Leech. A questão é saber se o novo governo trará tantos progressos para a economia como ocorreu durante o mandato do governo Lula, diz. "Mas o mercado está disposto a dar o benefício da dúvida (ao novo governo", afirma. "Na minha opinião, acredito que as mesmas políticas vão continuar; pode-se dizer que tenho um otimismo cauteloso."
Ele diz que não está preocupado com uma formação de bolha nos emergentes. "Há fundamentos, mas não ficaria surpreso com uma correção, embora eu esteja otimista com esses mercados", afirma. "Mas não é à toa que muitos países, principalmente os menores, estão adotando medidas para limitar o ingresso de capitais em suas economias" diz.
O interesse pelo Brasil tem vindo tanto dos investidores institucionais quanto do varejo. No caso da pessoa física, isso pode ser visto na alta demanda dos investidores japoneses, conta Leech. O fundo de Brasil da Western vendido no Japão conta com patrimônio de R$ 5 bilhões.
O executivo afirma que não acredita que a economia americana passará por um "double dip" - receio de uma nova recaída. Pelas suas estimativas, o Produto Interno Bruto (PIB) americano deverá registrar expansão de 3% em 2011. "Acredito que a recuperação dos Estados Unidos vá continuar, mas é um movimento que exigirá paciência."