17/11/2010 JORNAL DO COMÉRCIO
Delfim Neto
O encontro dos G-20 em Se ul, na Coreia do Sul, foi uma reunião lítero-musical de qualidade duvidosa. O seu resultado, pífio. A ‘solução prática' foi a cínica entrega da questão aos cuidados do FMI. No ano que vem ele deve apresentar um programa factível que distribua equanimente os custos do ajuste. Em poucas palavras e sem ‘nhenhenhen': cada um que volte para casa, trate de cuidar dos seus interesses e ponha as barbas de molho.
Há uma grande dificuldade em dar peso adequado ao problema dos Estados Unidos e às malfeitorias da China, o que provoca ataques cruzados. Os Estados Unidos meteram-se numa grave crise e desde 2007 destruíram 10 milhões de empregos. Para retornarem à taxa de desemprego aceitável de 5% precisam reconstruí-los. Devido ao crescimento da população, para manter apenas o inaceitável nível atual de desemprego de 9,6%, eles precisam criar 1,5 milhão de empregos por ano, ou seja 125.000 por mês. Mesmo que haja uma rápida recuperação e a economia possa absorver 600.000 empregos por mês (que é o dobro da média dos anos 1990!), serão precisos dois anos antes que se volte ao nível de 2007.
Não se trata de um problema de liquidez, mas de confiança: as empresas não financeiras têm em caixa US$ 3 trilhões e não investem, a não ser em tecnologias poupadoras de mão de obra. As instituições financeiras têm excesso de reserva de US$ 1 trilhão e não emprestam porque não há tomadores (o nível de endividamento das famílias é da ordem de 100% d o PIB). O único tomador de recursos é o próprio Tesouro dos Estados Unidos, cujo endividamento só poderá ser sustentado com a volta ao crescimento que, por sua vez, depende do investimento do setor privado e do consumo das famílias.
Os Estados Unidos pagam agora o preço de sua miopia. Aumentaram o emprego nas finanças e na habitação enquanto transferiam alegremente (graças à valorização do dólar) para a China, suas fábricas e seus empregos industriais e para a Índia os do seu setor de serviços. Com a explosão das duas ‘bolhas', no setor financeiro e no imobiliário, o emprego no primeiro talvez nunca se recupere e o do segundo demorará muito tempo. Uma coisa é certa. Se a demanda interna nos Estados Unidos não se recuperou porque o governo foi incapaz de restabelecer a confiança no circuito econômico interno, só lhe resta a saída das exportações e a substituição do petróleo importado por biocombustíveis. Ele vai persegui-la com a desvalorização do dólar. Devemos ‘amarrar os cintos' e agüentar a competição que vem por aí! Parece que com a taxa de câmbio de R$ 1,60 já podemos importar o etanol de milho dos Estados Unidos...
Economista, ex-deputado federal e ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura