16/11/2010 VALOR ECONÔMICO
Não deixa de ser curioso que os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo, tenham sugerido à presidente eleita Dilma Rousseff controlar os gastos correntes para elevar os investimentos públicos necessários à sustentação do crescimento econômico. De 2006 a 2009, período em que os dois comandaram a área econômica do governo Lula, as despesas correntes primárias (não incluem o pagamento de juros das dívidas públicas e os investimentos) cresceram 1,28 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com dados do Ministério da Fazenda. Ou seja, cresceram mais que o PIB. Em 2010, essa trajetória não foi alterada.
É animador, portanto, que os dois ministros tenham concluído ser indispensável reduzir o ritmo de crescimento dos gastos correntes primários para abrir espaço no Orçamento da União para os investimentos.
A bem da verdade, o ministro Paulo Bernardo chegou a defender a mesma fórmula no fim de 2005, junto com o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, durante reunião com o presidente Lula e a então ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na época, a proposta foi considerada "rudimentar" pela ex-ministra. Mas essa percepção de Dilma pode ter sido provocada por um problema de comunicação, pois o plano é bastante engenhoso e, se adotado, poderá efetivamente colocar as contas públicas brasileiras em um caminho sustentável.
A proposta de controle das despesas correntes primárias ficou associada ao nome do ex-ministro Palocci, que hoje é um dos principais assessores da presidente eleita, tendo coordenado sua campanha presidencial. A fórmula é bastante simples e parte do pressuposto de que a carga tributária brasileira, a mais elevada entre os países emergentes, chegou ao seu limite, pois a sociedade brasileira não aceita mais aumento de impostos.
Como todos sabem, o ajuste fiscal no Brasil tem sido feito, ao longo das duas últimas décadas, com uma elevação contínua da carga tributária. Em 1990, a carga tributária total (nos três níveis de governo) girava em torno de 24% do PIB e, este ano, a estimativa é que ela supere os 35% do PIB.
Se a sociedade brasileira não aceita mais o caminho do aumento da carga, é indispensável que se estabeleçam controles para os gastos. A proposta Palocci prevê que as despesas correntes continuarão crescendo, mas em ritmo menor do que a economia. Se o PIB crescer 5,5% ao longo dos próximos anos, como estima o governo, os gastos correntes poderão subir 3% em termos reais, ou seja, acima da inflação. Com o passar do tempo, essas despesas cairão bastante como proporção do PIB, abrindo espaço para o aumento dos investimentos, de tal forma que a despesa total da União não cresça em comparação com o PIB.
Essa estratégia, se for colocada em prática pelo governo Dilma, representará uma inflexão histórica da política fiscal brasileira, pois as despesas correntes primárias crescem continuamente como proporção do PIB desde o início da década de 1990. Para executar a nova política, o governo terá que controlar as despesas com o pagamento do funcionalismo e com os benefícios previdenciários e assistenciais, que representam perto de 70% dos gastos primários orçamentários.
Junto com a estratégia de controle dos gastos correntes, o governo Dilma precisa preservar a meta de superávit primário de 3,3% e persegui-la integralmente, sem os descontos dos gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e sem as operações contábeis criativas que predominaram nos dois últimos anos do governo Lula.
O superávit primário de 3,3% é fundamental para manter a queda da dívida em relação ao PIB e, desta forma, permitir que o Banco Central (BC) reduza a taxa real de juro. No ambiente de guerra cambial que está desenhado no horizonte, marcado por ampla liquidez em dólar, o diferencial de taxa de juro no mercado brasileiro que atrai os capitais especulativos ainda é o calcanhar de Aquiles da política econômica do país. Implementar uma estratégia que permita reduzir a taxa de juro de forma sustentada, sem mágicas ou atitudes voluntaristas, deve ser uma prioridade para o governo brasileiro.