Enquanto batalham na Câmara dos Deputados, entidades de classe da magistratura tentam, em outro front, invalidar uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que uniformizou os procedimentos para o julgamento administrativo de juízes. Tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins), ajuizadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), contra a Resolução nº 30, de 2007. Para as entidades, o órgão não poderia disciplinar o assunto, apenas rever decisões de tribunais ou avocar processos disciplinares em curso. Procurado pelo Valor, o CNJ não quis se manifestar sobre assunto.
Desde que foi criado, em 2005, o CNJ já puniu 26 magistrados, mandando 19 deles para casa, por meio de aposentadoria compulsória. Entre eles, estão o ministro afastado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Geraldo de Oliveira Medina, e o desembargador do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, José Eduardo Carreira Alvim. Os magistrados foram acusados de beneficiar, por meio de sentenças, empresas que solicitavam liberação de máquinas caça-níqueis à Justiça. O caso foi relatado pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, que considerou as condutas dos magistrados incompatíveis com as funções exercidas. O voto do ministro foi seguido pelos demais conselheiros. Foi a primeira vez que o CNJ julgou e condenou um ministro de tribunal superior.
A divulgação desses casos - que podem ser anulados com uma decisão do Supremo pela inconstitucionalidade da Resolução nº 30 - renovaram os ânimos dos que defendem uma maior punição aos magistrados e levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a impedir, inclusive, os condenados de praticar a advocacia. Hoje, um juiz ou desembargador só perde o direito à aposentadoria se for condenado pela Justiça, situação rara até então. Para que se puna com demissão, é necessário que a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) sejam alteradas.
Atualmente, tramitam no Congresso Nacional duas propostas de emenda constitucional. Uma é de autoria do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), apresentada em 2007. A outra, da senadora Ideli Salvatti. O projeto da senadora está mais adiantado. Passou pelo Senado em julho e foi enviado para a Câmara dos Deputados. Mas não passou pelo crivo do relator do projeto na CCJ, deputado Eliseu Padilha, que atendeu a um pedido da AMB. O presidente da entidade, Mozart Valadares Pires, reuniu-se diversas vezes com o parlamentar para discutir o assunto. "A proposta retira da magistratura garantias constitucionais, como a vitaliciedade. Isso abre um perigoso precedente. Deixa o juiz fragilizado", diz Pires.
Em seu voto, o deputado Eliseu Padilha entendeu que a proposta viola a garantia constitucional da vitaliciedade, que "representa importante garantia não para o próprio juiz, enquanto pessoa, mas para o Poder Judiciário, enquanto instituição, pois são as garantias concedidas pela Carta Magna que dão ao julgador a necessária independência para a correta distribuição da justiça, sem a preocupação quanto a eventuais perseguições ou censura". Para ele, a perda do cargo deve ser decretada apenas "por sentença judicial transitada em julgado, conforme determina a Constituição Federal, garantindo-se ao punido o uso de todos os meios de defesa admissíveis em direito, aplicando-se o devido processo legal".
A decisão do parlamentar, que ainda será levada ao crivo dos demais integrantes da CCJ da Câmara, foi criticada pelo presidente da OAB, Ophir Cavalcante. "A proposta não é inconstitucional. Não retira garantias dos magistrados, que devem estar incomodados com as decisões do CNJ", diz o advogado. "O que o projeto confere é dignidade para a magistratura."