04/10/2010 CORREIO BRAZILIENSE
PIB terá avanço nominal de 12,8%, e faltam poupança fiscal efetiva e funding aos bancos públicos
Os expedientes da maquilagem contábil que o governo tem usado com crescente desinibição para sustentar o funding dos bancos públicos e cumprir a meta a que se autoimpôs de realizar superavit primário de 3,3% do PIB sobre o orçamento fiscal — cerca de R$ 118 bilhões — dão motivos à estranheza sobre as razões de tanta ginástica.
Em princípio, dado o robusto crescimento da economia, não deveria haver dificuldade alguma para realizar, sem qualquer artifício, a meta cheia de superavit primário. A economia deve incorporar sobre o ano passado ao menos R$ 405 bilhões a mais de renda, ou US$ 425 bilhões com o Produto Interno Bruto (PIB) medido em dólares.
Com carga tributária de 35% do PIB, só com a expansão da economia a União, os estados e municípios devem estar se apropriando de uma arrecadação adicional de R$ 142 bilhões, 4% sobre o PIB de R$ 3,54 trilhões projetado para o ano. Qual a dificuldade de achar em meio a tal dinheirama a meta cheia de poupança primária e a necessidade de funding adicional pelo BNDES e a Caixa Econômica Federal?
De 2009 para 2010, o PIB vai crescer ao redor de 7,3%, na projeção do Banco Central e da Fazenda. Essa é a taxa de crescimento real, que abate a inflação, projetada em 5%, pouco mais, pouco menos. O crescimento “nominal”, como os economistas identificam a variação do PIB sem excluir a inflação, no entanto, será muito maior, coisa de 12,8%. Para fins de esforço fiscal, esse é o número relevante.
Esse imenso acréscimo de riqueza adicionada permitiu o aumento da arrecadação de impostos, que tem quebrado todos os recordes, e nem assim se consegue uma economia fiscal de 0,9% do PIB — a diferença entre o superavit primário efetivo a ser realizado este ano, algo como 2,4% do PIB, na simulação do Banco Central, e o macetado para chegar a 3,3%. Em dinheiro, a diferença é de R$ 32 bilhões.
O governo deve ter ido buscá-la na capitalização da Petrobras, em que por meio de um intrincado e opaco esquema de cessão de ações e emissão de títulos do Tesouro fez despesa virar receita — e ainda achou um “saldo” financeiro, por coincidência ou não, assemelhado ao que falta para ver cumprida a meta de superavit de 3,3% do PIB.
Dieta da desidratação
Um superavit assim realizado não tem mais importância alguma, até por se destinar ao consumo de quem conhece contabilidade nacional e sabe fazer conta. Para o interesse da política fiscal, como compara o economista Fernando Montero, “esse primário é tão inútil como perder peso se desidratando”.
Ele valeria se servisse para reduzir a dívida pública, ajudando a baixar os juros, ou — e me perdoem os puristas —, como funding aos projetos de investimento financiados pelo BNDES. Ambos pressupõem sua realização em dinheiro sonante, não via jogos contábeis. Eles são legítimos, se dentro das regras, segundo Montero. Mas perderam a importância que tinham quando havia dúvidas sobre a solvência do país e dificuldade em prová-la aos credores e ao FMI. Isso passou.
Gastos desnecessários
Como superavit primário inflado por operações contábeis não serve para afastar dúvidas do mercado financeiro, que não tem porque duvidar de nada, nem a subtrair renda e aliviar a mão bruta do BC com a Selic, além de não fortalecer o crédito do BNDES, tudo isso condicionado à realização de economia real, resta o mistério.
Ou a área econômica do governo não planejou direito a programação fiscal, que vem pressionada desde meados de 2007, ou foi engolida pelas contingências políticas. O fato é que se realiza este ano um volume de gastos públicos totalmente desnecessários à dinâmica do crescimento e aos principais programas orçamentários.
Congresso também pode?
A suspeita é que se perde a oportunidade neste ano de atividade e receitas fortes em contraponto à crise e recessão em 2009, segundo definição de Montero, para ajustar o curso da política econômica, levando-a a atender outros objetivos. Tais como acelerar a redução da dívida pública e, assim, o nível de juros e ajudar a bancar o crescimento embalado pela expansão industrial e de infraestrutura.
Para 2011, o desenho mais apertado do orçamento está na entrelinha do futuro governo, não importa qual seja. Se isso será viável logo se vai saber, com a tramitação no Congresso da lei orçamentária de 2011. Ao tornar a receita elástica à sua vontade, previne Montero, há o risco de a Fazenda vir a provar do próprio veneno na hora em que o Congresso for negociar os ajustes e emendas ao orçamento. Os problemas fiscais são como os chatos: é difícil livrar-se deles.
Questões embaraçosas
A questão política do tratamento dado ao retorno do Tesouro como agência promotora do desenvolvimento talvez seja o de maior risco. Se vale ao governo escapar de limitação orçamentária, como mostra a “receita” de R$ 30 bilhões saída do ventre do aumento de capital da Petrobras, por que engenhos criativos assemelhados não poderão valer para os parlamentares? A questão é embaraçosa.
O provável é que faltou aos ministros capacidade de convencimento do governo sobre os riscos, que não são só o do Congresso aprender o caminho que leva ao Tesouro. Preocupante é ter se achado que se podia acertar de baciada a folha do funcionalismo, gastos sociais e investimentos sortidos — do PAC-1 inacabado ao PAC-2 anunciado. Se promessa for dívida, já se está devendo um bocado.