28/05/2010 VALOR ECONÔMICO
A Europa em crise de endividamento e baixo crescimento deve se inspirar no que o Brasil começou a fazer bem na sua economia. É o que diz o economista-chefe e vice-diretor da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Pier Carlo Padoan. "O Brasil hoje está na frente", diz ele. Ao mesmo tempo, o economista sugere que o Brasil avance em reformas, incluindo baixar imposto sobre os salários e aumentá-los sobre o consumo. E também cobrar pela entrada nas universidades públicas. A seguir, os principais trechos da sua entrevista:
Valor: A Europa caminha para uma nova recessão?
Pier Carlo Padoan: Não vejo o risco de dupla recessão. Mas os países europeus têm que fazer reformas estruturais para melhorar a produtividade, liberalizar o mercado de serviços, baixar o custo do trabalho. Pode-se fazer também algo no lado da demanda, mas não é com despesa pública ou menos impostos. Se não há estabilidade financeira na zona do euro, as consequências serão mais queda de demanda. É preciso recuperar a estabilidade financeira.
Valor: O ajuste que os países anunciaram é suficiente?
Padoan: Os mercados precisam ainda ser convencidos um pouco. O pacote de US$ 1 trilhão para a Europa é maior do que o programa que os EUA adotaram na época da quebra do Lehman Brothers. Mas o mercado visivelmente espera que as medidas anunciadas sejam implementadas. Acho que isso pode se fazer rapidamente. Espera também que o mecanismos de decisão na União Europeia seja reforçado, e aí há um problema, porque é preciso realmente reforçar a governança na UE.
Valor: Que lições a Europa pode tirar das crises na América Latina?
Padoan: O Brasil tirou lições de crises anteriores e seu desempenho é muito bom. Fez reformas macroeconômicas, mas também estruturais para reforçar o crescimento. A situação do mercado mostra que o Brasil está mais avançado face a instabilidade que os países europeus, e isso na política macroeconômica, financeira e no reforço estrutural para estimular o crescimento. É preciso fazer isso na Europa.
Valor: O Brasil pode requerer mais influência globalmente?
Padoan: Sem dúvida. O papel do Brasil vai ser mais e mais importante. O desempenho de sua economia é um fator importante dessa evolução. Mas a liderança do Brasil na cooperação internacional, como no G-20, vai crescer.
Valor: O que o Brasil precisa melhorar rapidamente?
Padoan: A OCDE tem sugerido ao Brasil mais ações nas áreas tributária, educação e infraestrutura. É preciso mudar a estrutura tributária no país, baixar as taxas adversas ao crescimento e compensar isso com outras taxas. A OCDE recomenda baixar o imposto direto sobre o trabalho, os salários, e de outro lado, aumentar a taxa indireta sobre o consumo. Com isso, terá mais produtividade, mais crescimento, mais renda disponível para as famílias. Também é preciso pensar em adotar uma taxa carbono, para reduzir as emissões de gases na produção, vincular mudança climática e crescimento. A competitividade depende de muitas coisas, como especialização, inovação tecnológica. É possível aumentá-la e ser mais ambientalmente correto.
Valor: E cobrar pela entrada nas universidades federais?
Padoan: Sim. É preciso melhorar no Brasil a eficácia do investimento na educação. Uma maneira é cobrar pela entrada na universidade pública. Isso pode ser atenuado com concessão de bolsas para os bons estudantes que não podem pagar. Há muita experiência internacional boa nesse sentido.
Valor: Na infraestrutura, o país tem o PAC em andamento.
Padoan: A indicação é de continuar a aumentar o estoque de capital infraestrutural. O Brasil está a pleno vapor, mas precisa de infraestrutura e de capital humano.
Valor: Voltando à instabilidade nos mercados, isso pode durar?
Padoan: Creio que é preciso alguns dias [para se acalmar]. Mas veja, não é somente a Grécia, Espanha e Portugal, mas todos os países da zona do euro que fazem ajuste fiscal. A própria França estuda colocar na constituição um limite ao endividamento. Há uma mudança de velocidade para resolver o problema fiscal na Europa.
Valor: Até que ponto o sistema bancário europeu corre risco?
Padoan: No balanço dos bancos europeus há também a dívida soberana de países que estão em situação de dificuldade, como a Grécia. Daí a importância de reforçar o balanço dos bancos. A decisão do Banco Central Europeu de aceitar os bônus governamentais é medida de curto prazo que permite ganhar tempo. (AM)