27/05/2010 O ESTADO DE S. PAULO
Carecemos de estudos bem detalhados sobre quanto cada família paga de impostos e quanto recebe em benefícios e serviços públicos. Há boa literatura internacional, até vizinhos andinos já fizeram tal pesquisa, mas no Brasil dá para contar nos dedos as pesquisas sobre o tema, diante de sérias limitações estatísticas e sem maiores debates, nem mesmo na academia. Ilustra o fato que por muito tempo só se conhecia a pesquisa de Ibrahim Eris, de 1975: nos extremos, os impostos absorviam 36% da renda de quem ganhava até um salário mínimo contra 14% dos de renda superior a 100 salários. Uma pesquisa da Fipe, coordenada por Maria Helena Zockun, calculou para 2004 que a carga chegou a 48,8% da renda para famílias que recebiam até dois salários contra 26,3% das que ganhavam mais de 30 salários. Resultados semelhantes foram divulgados pelo Ipea, que, atualizados para 2008, apontaram um aumento da incidência sobre os mais pobres para 53,9% da renda contra 29% dos mais ricos.
Pior do que as famílias mais pobres suportarem uma carga tributária 86% superior à das mais ricas é descobrir que tal regressividade avançou nos últimos anos, justamente ao contrário do discurso governamental de que as desonerações teriam sido feitas em favor dos mais pobres. O mesmo pode se depreender da evolução da Receita Federal administrada (exclusive a previdenciária) por atividade: entre 2002 e 2009, o total coletado cresceu 29,2% em termos reais, mas foi maior a variação em ramos que produzem bens essenciais para consumo dos mais pobres, como a indústria de alimentos (85%), de vestuário e calçados (51%), telecomunicações sem fio (79%), energia elétrica (64%), concessionárias de água (212%) e coleta de esgoto (443%). Cresceram abaixo da média, dentre outros, a fabricação de automóveis (37%) e, sobretudo, de petróleo (4%) - todos sabem que carro próprio e seu combustível pesam mais no orçamento dos mais ricos. Outra curiosidade é um aumento acima da média da arrecadação proveniente da fabricação de equipamentos e máquinas (49%) e da indústria da construção (164%), mais uma vez na contramão do discurso do alívio tributário dos investimentos.
Se todos já sabem que a carga tributária aumentou muito nos últimos anos, poucos atentam que tal incremento foi maior para os mais pobres do que para os mais ricos, de modo que aumentou ainda mais a distância entre eles. A complexidade da cobrança e a falta de transparência também são fatores-chave para manter a desigualdade social (não prejudicam só empresas brasileiras, que suportam a maior carga indireta de obrigações no mundo). Mais do que a quantidade, a qualidade da tributação é o maior desafio para uma reforma. É preciso mudar a forma como os tributos são cobrados e por isso a proposta do Senado federal faz uma opção radical pela simplificação. Para começar, os compradores devem ser informados do imposto que pagam numa compra (ainda que por estimativa) e deve ser adotado um só cadastro nacional (de indivíduos e empresas), além de integrar as fiscalizações de todos os governos (por exemplo, seria possível saber no ato que um comprador de uma Ferrari declarou para o Leão uma renda mensal de R$ 1 mil; nem a CPMF seria tão ágil). Já a reforma constitucional precisaria se ocupar da fusão de impostos para que cada base fique sujeita a uma só cobrança. Fica fácil saber o que se paga bem como fiscalizar o que se exige. É um sonho? Não, é uma necessidade real para quem, de fato, se preocupa com as injustiças sociais e que não deveria se conformar com um sistema tributário que funciona exatamente como o idealizado por Robin Hood, mas às avessas.
ECONOMISTA, É MESTRE PELA UFRJ E DOUTORANDO DA UNICAMP