26/05/2010 VALOR ECONÔMICO
Insinuações de governistas segundo as quais estaria propondo a flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) levaram o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) a tirar da gaveta um projeto de autoria do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do qual é relator, que na sua opinião consiste "ameaça" à lei por promover a "revogação total das punições" para o descumprimento dos limites máximos de despesa com pessoal.
Totalmente parado no Senado desde que chegou da Câmara dos Deputados, em maio de 2008, o projeto foi discretamente incluído na pauta de hoje da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) pelo presidente, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), com parecer de Tasso pela rejeição.
Enviado ao Congresso por Lula em novembro de 2007, o projeto de lei complementar 92, de 2008 (132, de 2007, na Câmara), restringe ao Poder ou órgão que não esteja obedecendo os limites máximos da despesa com pessoal as sanções previstas na LRF - proibição de receber transferências voluntárias de outros entes, obter garantias ou contratar operações de crédito.
"Com a apresentação do projeto, fica claro que a opção do governo federal foi desistir de defender a responsabilidade fiscal e acolher o pleito de alguns entes subnacionais cujas contas estão desequilibradas", diz o tucano no parecer apresentado à CCJ no dia 4 de maio.
Pela LRF (Lei Complementar número 101, de 2000), aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso com oposição do PT, a punição é aplicada ao Estado ou ao município, mesmo que o descumprimento dos limites para a despesa total com pessoal seja de apenas um de seus Poderes ou órgãos.
Na exposição de motivos, o Ministério da Fazenda considera haver "excesso na aplicação das referidas restrições". Alega que a LRF penaliza toda a administração do Estado ou município, mesmo que apenas alguns de seus órgãos ou Poderes descumpram os limites máximos de despesa com pessoal. Isso acontece ainda que, no total, a administração do ente esteja enquadrada nos limites.
Na Câmara, o então líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS), apresentou emenda permitindo que as operações de reestruturação e recomposição de principal de dívidas sejam contratadas sem as restrições previstas na LRF. E que as operações possam ser garantidas pela União mesmo sem a prestação de contas e sem o cumprimento de limites também previstos na lei.
Para José Roberto Afonso, um dos responsáveis pela elaboração da LRF como economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e atualmente assessor do Senado, a proposta do governo "arrebenta" a Lei de Responsabilidade Fiscal. "Arrebenta e não resolve. Supostamente corrige uma injustiça, mas acaba estimulando a irresponsabilidade fiscal."
Quando o projeto chegou ao Senado, Tasso foi designado relator na CCJ por Demóstenes. O tucano engavetou a proposta, por considerá-la inconstitucional e contrária ao interesse público. "Trata-se de ponto extremamente sensível da LRF. Toda a arquitetura da lei baseia-se na credibilidade da punição dos entes que desrespeitem suas regras. Se as punições são abrandadas ou eliminadas, inequivocamente enfraquece-se a lei", diz Tasso.
José Roberto e Tasso propõem atuação de forma "preventiva". Em amplo projeto apresentado em 2009, o tucano prevê, entre outras coisas, que os órgãos que extrapolem suas despesas com pessoal não possam receber, no ano seguinte, dotação orçamentária superior ao seu limite máximo. Sugere, ainda, redução das funções comissionadas e exoneração de servidores não estáveis. O projeto passou pela CCJ, mas retornou à comissão ao ser anexado a outra proposta em tramitação.
O que levou o tucano a ressuscitar o projeto de Lula e apresentar seu parecer à CCJ foi a postura de alguns governistas tentando atribuir a ele a iniciativa de flexibilizar a LRF. Tasso recebeu críticas por causa de dois projetos de sua autoria, em tramitação no Senado, que, segundo ele, apenas corrigem problemas da LRF.
Uma cena que marcou audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, realizada em 13 de abril, foi a posição do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, em relação a um desses projetos de Tasso - que altera o processo de elaboração orçamentário, a lei geral de finanças públicas e a lei de responsabilidade fiscal. Machado considerou a proposta "um tiro no coração da Lei de Responsabilidade Fiscal". Comentou que era irônico ele defender a lei, contra um projeto do PSDB.
Tasso e o relator, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), reagiram lembrando que a LRF foi elaborada e aprovada no governo FHC com "forte oposição" do PT. Dias antes, o tucano havia passado por situação parecida, em reunião da CCJ. A sessão era de votação de outro projeto de Tasso, que estende a Estados e Distrito Federal tratamento já dispensado pela LRF aos municípios. Amplia para esses dois entes a possibilidade de contrair operação de crédito para financiar a modernização da gestão tributária, financeira, patrimonial e previdenciária e de programas sociais.
A líder do governo no Congresso, senadora Ideli Salvatti (PT-SC), questionou a constitucionalidade da proposta e chegou a dizer que pediria vista, o que atrasaria a votação. Foi contida pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
Tasso alega que os dois projetos atendem a demandas do próprio governo e, se aprovados, poderiam evitar a abertura das porteiras que resultaria de uma aprovação do projeto de Lula.
"Atualmente, são apenas alguns poucos Estados e Municípios cujos Poderes e Ministério Público desrespeitam o limite de despesa total com pessoal. Se aprovado o PLC nº 92, estará dada a senha para que todos os Estados e municípios de que esse limite não vale. Que é de faz de conta. A porteira estará aberta para todos", afirma Tasso, no parecer.