19/05/2010 O ESTADO DE S. PAULO
CLÓVIS PANZARINI
A arrecadação tributária da União alcançou em abril a assustadora cifra de R$ 70,9 bilhões, recorde para o mês, tendo crescido 16,75%, em termos reais, em relação à de abril do ano passado. De acordo com a Receita Federal, esse é o quarto mês consecutivo de recorde da arrecadação ante o mesmo mês do ano anterior. No quadrimestre, os tentáculos tributários federais já sugaram do setor privado mais de um quarto de trilhão de reais (R$ 256,9 bilhões), o que significou crescimento real de 12,52% em relação ao mesmo período do ano passado.
Caso essa impressionante trajetória se mantenha até o fim do ano e seja, também, trilhada por governos estaduais e municipais, podemos esperar um crescimento da carga tributária (relação arrecadação tributária/Produto Interno Bruto) superior a 5 pontos porcentuais, admitindo-se que o denominador dessa razão, o PIB, cresça 6% em 2010.
A sabedoria convencional ensina que, com tamanha fartura de recursos nas mãos do governo, a sociedade deve festejar, esperando melhoria na qualidade dos serviços públicos, ou mais investimentos na deteriorada infraestrutura, que tanto compromete a competitividade da economia, ou aumento no superávit primário para que a já oceânica dívida pública bruta, que já supera R$ 1,5 trilhão, ou 65% do PIB, não aumente mais: o superávit primário - poupança do governo - não cobre sequer os juros incidentes, que consomem 5,3% do PIB, 1/7 da carga tributária! Ou, quem sabe, esperar um alívio nas alíquotas dos impostos, de vez que elas estão gerando mais recursos do que o governo espera, revelando-se, evidentemente, mal calibradas!
Porém, o cidadão-contribuinte não deve se iludir com nenhuma das alternativas, pois, se, de um lado, a receita está "bombando", de outro, as despesas de custeio, os desperdícios, também estão. O governo federal, embora tenha conduzido com responsabilidade a política fiscal nos primeiros anos de governo do PT, aumentou extraordinariamente as despesas de custeio a partir da crise global. Para atenuar a queda da demanda - temporária -, fez política anticíclica expandindo despesas permanentes, como o aumento da folha de pessoal e despesas previdenciárias.
O superávit primário em 2009 caiu perigosamente para 2,05% do PIB, o que representou apenas 38% dos 5,3% do PIB, necessários para pagar os juros da dívida. A diferença, evidentemente, transformou-se em dívida nova. Em 2010, no fluxo de 12 meses que terminou em março, o superávit primário foi de apenas 1,94 do PIB.
O fato é que, ao invés de fazer política expansionista, aumentando despesas temporárias - os investimentos - como bom senso ensina, o governo expandiu despesas permanentes. A crise passou e as despesas de custeio ficaram. Agora, o governo federal, assustado com a demanda interna que aquece a economia mas também os índices de inflação, anuncia corte de R$ 10 bilhões nas despesas de custeio.
Do ponto de vista macroeconômico, esse corte tem pouco significado: pouco mais de 1% da despesa total anual. Mas é de se prever que os efeitos desse corte de despesas, em ano eleitoral, serão imperceptíveis para a sociedade, vale dizer, para os eleitores. Admitindo-se como verdadeira essa assertiva - e é difícil admitir o contrário -, o seu corolário é que as despesas também eram imperceptíveis para a sociedade. Em outras palavras, o governo federal está confessando que vai cortar R$ 10 bilhões de desperdícios de dinheiro público. E tem muito mais para cortar!
ECONOMISTA, EX-COORDENADOR TRIBUTÁRIO DA SECRETARIA