Segundo apurou o Valor, integrantes do governo e parlamentares do Centrão, principalmente senadores, passaram a defender a prorrogação do decreto de calamidade – cuja validade encerra em 31 de dezembro de 2020 – para que o pagamento do auxílio emergencial pudesse ser estendido por mais alguns meses. O objetivo seria esticar o prazo para conceber o substituto do Bolsa Família.
Ainda que ideias embrionárias já tenham se tornado públicas, o governo decidiu adiar para depois das eleições a definição do formato do Renda Cidadã e da fonte de financiamento do programa social. O impasse ampliou as desconfianças de que o martelo não seria batido até o fim do ano, o que contribuiu para que a tese de prorrogação do decreto de calamidade pública ganhasse adesão no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional.
Aprovado em março, o decreto desobriga o governo federal de observar o resultado primário de contingenciar as despesas para cumprir as estimativas iniciais. Após o aval ao dispositivo, os congressistas também aprovaram a proposta de emenda constitucional (PEC) do Orçamento de Guerra, que autorizou o descumprimento da regra de ouro em função da pandemia.
Apesar de integrantes da ala política do governo terem demonstrado entusiasmo com a possibilidade, Guedes já sinalizou que não apoiará eventual prorrogação do decreto de calamidade.
Segunda onda de covid-19
Na avaliação do ministro, não há desculpa para usar a doença para pedir estímulos artificiais na economia, o que seria uma má política por comprometer gerações futuras.
Auxiliares do chefe da equipe econômica indicam que a prorrogação só seria uma alternativa caso uma segunda onda de covid-19 atingisse o país.
“Se a covid voltar em 2021, é diferente. Mas é totalmente indesculpável usar uma doença para pedir estímulo artificial. Isso é uma fraude, é falso, é má política. É comprometer a futura geração por um ato de vontade”, disse Guedes, durante evento on-line da XP Investimentos, na tarde de sexta-feira (16).
Uma fonte da equipe econômica reforçou a posição do ministro. “Uma coisa é se a doença voltar. Outra coisa é usar a doença como desculpa para irresponsabilidade fiscal.”
“Inconstitucional”
Alinhado com o ministro da Economia, Maia, que tem o controle da pauta da Câmara até fevereiro do próximo ano, afirma que não pautará eventual texto que proponha a prorrogação do decreto de calamidade. De acordo com ele, uma eventual Medida Provisória que trate do tema seria inconstitucional por se tratar de uma prerrogativa do Poder Legislativo.
“A decisão de decretar calamidade pública é do Congresso, não é do Poder Executivo de forma monocrática. Então, o governo não pode fazer isso por MP. Tem que mandar mensagem e o Parlamento decide se vota ou não o decreto. Então, essa alternativa de MP é inconstitucional, não pode, porque é uma decisão do Parlamento decretar calamidade”, explicou Maia ao Valor PRO – serviço de informações em tempo real do Valor.
De acordo com ele, o artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) atribui ao Poder Legislativo a autorização ao decreto de calamidade.
Mais cedo, neste sábado (17), o parlamentar do DEM afirmou, em evento on-line da XP Investimentos, que barrará qualquer tentativa de prorrogar o decreto, enquanto estiver à frente da presidência da Câmara. Ele permanecerá no cargo até fevereiro.
“Não haverá, na Câmara, enquanto eu for presidente, nenhuma possibilidade de usar a PEC da Guerra [no ano que vem] e nenhuma hipótese de prorrogar o estado de calamidade”, disse o presidente da Casa, acrescentando que “o jeitinho criativo” não teria respaldo.
Ao Valor PRO, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) também afirmou que não trabalha com a previsão de prorrogar o decreto e destacou que não haverá recesso parlamentar para que seja possível encontrar uma fonte para financiar o Renda Brasil ainda neste ano.
Segundo fontes, a ideia de apresentar uma prorrogação do decreto via MP ganhou força, diante do êxito do governo em emplacar o pagamento do auxílio emergencial de R$ 300 até o fim do ano usando a mesma disposição.
Como a MP tem vigência imediata, aliados do governo no Congresso só precisam evitar que a medida não seja derrubada até dezembro. Apesar da pressão da oposição para que o texto seja votado, com o objetivo de elevar o valor do auxílio para R$ 600, Maia não tem demonstrado disposição em colocar a proposta em votação.