13/04/2010 JORNAL DO COMÉRCIO
Fábio Medina Osório
O chamado Direito Sancionador Tributário sofreu uma profunda revolução no sistema constitucional brasileiro que nem sempre resulta percebida. Hoje predomina, claramente, a esfera administrativa em detrimento da esfera penal. Trata-se do fenômeno denominado “administrativi-zação” do Direito Penal. Significa reconhecer o alto grau de especialização das instâncias administrativas para equacionar complexas questões e, assim sendo, interferir diretamente nas instâncias penais. Ao mesmo tempo, equivale a reconhecer a gravidade e violência do Direito Penal como última instância de intervenção na vida de relações. Assim, de um lado, preserva-se o Direito Penal para ilícitos para os quais ele é efetivamente vocacionado, como os casos de crimes violentos, corrupção ou abuso de poder político. De outro, outorga-se às autoridades especializadas o valor que merecem na tutela dos casos que lhes são submetidos e desafoga-se o Judiciário. O processo administrativo tributário ou fiscal, propriamente dito, é todo aquele que se destina à determinação, exigência ou dispensa do crédito fiscal, bem como à fixação do alcance de normas de tributação em casos concretos, ou à imposição de penalidade ao contribuinte, pelas autoridades administrativas. Advogado
Hoje em dia, essa espécie de processo deve obediência também à Lei n° 9.784/99, que fixa parâmetros para a atuação sancionatória da administração pública e reveste-se de uma série de garantias jurídicas. Evidentemente, o desfecho desfavorável em um processo administrativo sancionatório não traduz, necessariamente, que o contribuinte deva ser penalizado na esfera penal, mas não se tipificando crime tributário sem o lançamento fiscal definitivo, não se justifica pendência de ação penal, nem a fortiori condenação a esse título, quando está suspenso o procedimento administrativo por decisão do Conselho de Contribuintes (HC 86236, relator(a): ministro Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 2/6/2009, DJe-118 - Divulgado em 25-6-2009. Publicado em 26-6-2009. Ement. Vol. 02366-01 PP-00197). No campo penal, há questões autônomas que podem ser discutidas, com interface do Direito Tributário e do Direito Administrativo, independentemente do desfecho ocorrido na esfera administrativa, à luz dos princípios da legalidade, tipicidade, presunção de inocência, e mesmo o princípio da suficiência da resposta do Estado. É manifesta a ausência de justa causa para a propositura da ação penal quando a instância administrativa já esgota a resposta estatal para o caso concreto. Não há que se subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do Direito Penal, que só deve ser acionado quando os outros ramos do direito não sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos. (HC 96309, relator(a): ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 24/3/2009, DJe-075. Divulg. Em 23-4-2009. Publicado em 24-4-2009. Ement. Vol. - 02357-03 PP-00606). Essas reflexões mostram como o STF tem trilhado um caminho no sentido de resguardar as questões tributárias para a seara administrativa, para o campo empresarial, evitando que o Direito Penal venha a ser utilizado como braço de cobrança do fisco para intervir na esfera de liberdade dos cidadãos.