29/03/2010 JORNAL DO BRASIL
As discussões sobre a distribuição dos royalties do petróleo têm sido intensas.
O tema ganhou relevo após a aprovação, na Câmara dos Deputados, de emenda do deputado Ibsen Pinheiro a um dos projetos de lei do pré-sal, que altera a distribuição de royalties do petróleo, retirando dinheiro de estados e municípios produtores, em favor dos não produtores. Os royalties decorrem da cobrança feita pela exploração, por terceiros, de um bem da União – como ocorre com o petróleo, minérios e potenciais de energia hidráulica. Apesar de a União ser a proprietária do óleo, discute-se quem deva ser o beneficiário dos royalties.
Alguns defendem que devam destinar-se à própria União.
Outros se amparam no parágrafo 1º do artigo 20 da Constituição, que sugere que tais recursos devam destinar-se aos estados produtores, ou àqueles afetados pela exploração da respectiva atividade.
Nessa direção apontou decisão do STF (MS nº 24.312), dispondo que o produto de royalties sobre recursos da plataforma continental corresponde a receitas originárias dos estados e municípios, e não a receitas da União. Esse é um dos argumentos possíveis para a defesa do Rio de Janeiro, estado com a maior produção de petróleo no Brasil e, portanto, o maior beneficiário desses recursos.
A receita de royalties foi muito importante ao Rio para compensar o seu impedimento de cobrar ICMS sobre o petróleo na origem da cadeia produtiva. A situação vem da Constituição de 1988, que, ao dispor sobre o ICMS, tratou o petróleo distintamente – a regra é a cobrança do imposto no estado de origem, mas a cobrança do ICMS sobre o petróleo se dá no destino. O mecanismo faz com que o Rio deixe de arrecadar cerca de R$ 7,5 bilhões por ano, o que não ocorreria se a regra fosse mais equânime entre as mercadorias e serviços, e entre os entes federados. Logo, a receita de royalties do petróleo compensa o Rio, que arrecada cerca de R$ 3,5 bilhões por ano – desconsiderada a participação especial – ajudando-o a acomodar suas finanças.
Também, o Rio e seus municípios lidam com problemas sociais ou ambientais decorrentes da exploração de petróleo e defendem os royalties como fonte de financiamento para enfrentá-los. Em oposição à ideia, alguns argumentam que eventuais vazamentos de petróleo em alto mar podem ser levados, por correntes marinhas, a praias de outros estados.
O argumento, porém, desconsidera que a atividade implica um intenso trânsito de navios no litoral fluminense, além da presença de diversas instalações de oleodutos, terminais e bases de apoio. Assim, é possível inferir que a atividade da exploração em mar gera efeitos indesejáveis mais intensamente sobre as áreas próximas da costa em que ela é realizada. Ainda, o desenvolvimento da atividade na Bacia de Campos levou a um fluxo crescente de pessoas para as respectivas áreas litorâneas, aumentando a demanda por serviços públicos, como rede de água e esgotos, iluminação pública, vias de acesso terrestre, educação, saúde e segurança.
Deve-se perceber, também, que as receitas de royalties foram da ordem de R$ 8 bilhões em 2009, das quais o Rio ficou com R$ 1,7 bilhão, e seus municípios com R$ 1,8 bilhão. O estado e seus municípios deverão perder, também, a receita com a participação especial, da ordem de R$ 4 bilhões por ano, com as mudanças na lei. Assim, o impacto negativo da perda dessas receitas será grande para os entes produtores de petróleo.
Esses aspectos dão relevância à atividade política brasileira. Trata-se de um momento peculiar de nossa história, em que devemos buscar uma solução equilibrada para a questão, sem perder o foco nos importantes objetivos nacionais, como a manutenção da unidade da federação e o equilíbrio entre os entes federados.
Paulo R. A. Viegas, além de consultor legislativo do Senado Federal, é engenheiro de produção, mestre em economia e pós-graduado em administração.