15/01/2010 VALOR ECONÔMICO
Saiu no apagar das luzes de 2009, em 28 de dezembro, o Decreto nº 7.055, que regulamenta o Fundo Soberano do Brasil (FSB). Para finalmente tirar o projeto do papel, falta agora mais um decreto, cuja redação está pronta, que oficializa a criação do conselho deliberativo que vai gerir o Fundo, formado pelos ministros da Fazenda, Planejamento e presidente do Banco Central (BC). Levou um ano para que o FSB, criado pela Lei nº 11.887, sancionada pelo presidente Lula em 24 de dezembro de 2008, tivesse editado o decreto que o regulamentou.
A demora é justificável. O FSB foi concebido em um cenário totalmente diferente do atual, em meados de 2008. A crise internacional ainda não tinha chegado com força ao Brasil, que se imaginava então imune à tempestade externa - seria uma marolinha, disse o presidente Lula -, embora já fizesse estrago no exterior. O país vivia então um dos melhores momentos da sua história recente, com superávit primário e em conta corrente, crescimento das reservas e exportações em expansão, apesar do câmbio apreciado.
O FSB nasceu como um fundo de estabilização fiscal, inspirado pelo crescimento das receitas tributárias em 2007 e 2008, quando o superávit primário atingiu, respectivamente, 3,6% e 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O FSB teria uma ação contracíclica para estimular o crescimento econômico, promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior e estimular projetos de interesse do país no mercado internacional.
As ambições não paravam por aí: como as reservas estavam em trajetória claramente ascendente, imaginava-se que o FSB também poderia aplicar com melhor resultado esses recursos e atuar junto com o Banco Central nas operações no mercado de câmbio, atenuando o processo de apreciação cambial.
De lá pra cá, o mundo virou de cabeça para baixo. No caso do Brasil, em vários aspectos, voltou-se ao ponto em que se estava. Depois de dois trimestres de recessão, as receitas fiscais prometem reagir neste ano; as reservas internacionais continuam crescendo; e o real voltou a se apreciar. O Fundo Soberano do Brasil nasce como o 34º maior do mundo em um ranking do Sovereign Wealth Fund Institute.
A dotação inicial do FSB, de R$ 14,2 bilhões, era equivalente a 0,5% do superávit primário de 2008. O fundo já tem R$ 16,3 bilhões. Por enquanto, disse o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, só está funcionando a "perna fiscal". O FSB pode também emitir títulos para captar recursos para investir.
Neste momento, o objetivo mais lembrado do FSB é justamente deter a apreciação do real. O decreto inclui a compra de dólares no mercado interno entre os ativos em que o FSB pode investir. As aplicações estrangeiras devem render pelo menos o equivalente à taxa interbancária de Londres (Libor) de seis meses, e as feitas no mercado interno, o mesmo que a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).
Augustin esquentou o debate recentemente ao garantir que o Fundo Soberano não terá limites para comprar dólar e conter o câmbio. As regras de funding e de retorno dos investimentos criam, porém, na prática, algumas barreiras. O Fundo não pode fazer aplicações deficitárias. Se emitir títulos no mercado interno para comprar dólares e deter a desvalorização, isso pode acabar ocorrendo. Resta ainda a questão de como os reais injetados na compra de dólares serão esterilizados pelo Banco Central. Por isso, alguns especialistas afirmam que essa atuação do FSB deveria ser acompanhada de um aumento do superávit fiscal primário.
O mercado se agitou com a reafirmação do objetivo de estabilização cambial do FSB, mas o dólar pouco subiu, ao menos enquanto o fundo não começar a operar. O importante é que o FSB aja de modo transparente, como, aliás, determina o decreto de sua regulamentação. O decreto determina que o FSB registre no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) todos os seus atos de gestão e tenha as contas auditadas pelos órgãos de controle da administração pública federal e divulgue semestralmente suas demonstrações financeiras com detalhes das aplicações feitas. Mas esses são controles feitos a posteriori. Tudo o que não se deseja é que o Fundo Soberano aumente a já típica volatilidade do mercado de câmbio. Mas é o conselho deliberativo que decidirá se as intervenções serão anunciadas previamente.