29/12/2009 VALOR ECONÔMICO
Um policial civil aposentado se cansou de esperar pelo pagamento de um precatório de R$ 1 milhão devido pela Fazenda paulista. Ele venceu a ação em 2007. Mas ao saber que o Estado ainda paga os títulos de 1988 e que teria que aguardar ainda mais alguns anos, tomou a decisão de vendê-lo para uma corretora, mesmo com um grande deságio. Com os R$ 250 mil que recebeu este ano, levou esposa, filhos e netos para uma viagem de navio. Ao voltar, ainda foi conhecer a Europa com a mulher. No fim, ainda sobrou um bom dinheiro para a velhice. Um policial militar aposentado de Taubaté, no interior de São Paulo, também decidiu este ano vender antecipadamente um precatório de aproximadamente R$ 500 mil. Com os R$ 130 mil que recebeu, conseguiu comprar uma casa para seu filho.
Com as mudanças na legislação dos precatórios, um número maior de pessoas deve seguir o caminho trilhado pelos aposentados, mesmo que tenham que arcar com um deságio que pode chegar a 90%. A Emenda Constitucional (EC) nº 62, promulgada em novembro, alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF), trouxe regras que tornam ainda mais difícil o recebimento dos valores. O texto prevê a quitação da dívida em 15 anos ou a instituição de um percentual mínimo do orçamento - entre 1% e 2% - para a quitação dos débitos - o que na prática pode atrasar ainda mais esses pagamentos, pois há casos em que esses percentuais são muito menores do que a dívida. Também estabelece a possibilidade de realização dos chamados leilões reversos, pelo qual receberá primeiro quem oferecer o maior desconto sobre o valor do crédito. A Ordem do Advogados do Brasil (OAB) estima que a dívida total com precatórios no Brasil corresponda a cerca de R$ 100 bilhões.
As novas regras deixaram o mercado paralelo de precatórios ainda mais atrativo. Corretoras especializadas já preveem um aumento na demanda, tanto de credores interessados em se desfazer rapidamente desses títulos quanto de empresas interessadas em comprá-los para compensar com tributos devidos, embora ainda não haja garantia legal no caso dos precatórios alimentares. A Noblle Administradora, que compra e vende cerca de 200 precatórios por mês, espera um maior movimento em 2010. A expectativa é de passar a trabalhar com pelo menos 250 títulos por mês. A empresa movimenta por ano cerca de R$ 300 milhões em precatórios - considerando o valor total dos títulos -, segundo o diretor da empresa Wagner Dias.
Já o Lacerda & Lacerda Advogados, um dos pioneiros no mercado, prevê um crescimento mensal de pelo menos 20% em 2010. Hoje, o escritório movimenta cerca de R$ 60 milhões mensais em precatórios, segundo o diretor do escritório, advogado Nelson Lacerda.
O principal motivo para o aquecimento do mercado tem sido a falta de esperança em receber os valores devidos, de acordo com Wagner Dias, da Noblle. "Ficou comprovado com a emenda de que não há interesse político em pagar essas dívidas", diz. Para ele, a possibilidade de leilão reverso também desencoraja a espera. "Já há muita procura de credores e advogados previdenciários, que não aceitavam vender esses precatórios para o mercado". Dias acredita que os valores oferecidos em leilão serão ainda menores do que os praticados pelo mercado. O deságio hoje é, em média, de 75%. "Ao vender para uma administradora, o credor pelo menos tem o direito de negociar, o que não será possível em leilão".
Toda a redação da nova emenda abre ainda mais as portas para esse mercado, segundo o advogado Nelson Lacerda. Para ele, não haverá um deságio ainda maior na venda dos precatórios, já que se prevê uma maior demanda pelo mercado paralelo.
As empresas que compram precatórios para compensar com tributos não têm, no entanto, total segurança de que essa operação será aceita no Judiciário. A nova emenda convalidou apenas as compensações de precatórios não alimentares - resultantes, por exemplo, de desapropriações - com tributos vencidos até 31 de outubro de 2009, conforme o artigo 6º. Mas não diz nada sobre compensação dos alimentares - originárias de indenizações de servidores e aposentados. Até agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) só se posicionou favoravelmente ao uso dos não alimentares.
No caso dos precatórios não alimentares, advogados acreditam que a compensação com dívidas futuras também será possível, apesar de não estar explícita na norma. Segundo o advogado Nelson Lacerda já há precedentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ) favoráveis à extensão do período de compensação, baseados em leis estaduais que permitiam a operação. O negociador de precatórios Vivaldo Curi, presidente do grupo Cicomac, também entende que essa compensação de dívidas acabará sendo autorizada pelo Judiciário.
Mas no que depender da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) do Rio Grande do Sul, onde o mercado de precatórios é intenso, a postura de não admitir compensações será mantida. Para Cesar Rigo, coordenador-adjunto da Procuradoria de Execuções e Precatórios, "não há lei autorizativa para compensação em geral". Segundo ele, mesmo no caso disposto na emenda, o poder liberatório para compensar se refere aos Estados e municípios e não faz referência a outras entidades públicas.