10/09/2009 SINDITAF/PA
A superexposição midiática do caso Lina Vieira versus Dilma Rousseff, ao prestar-se a libelo contra a anunciada candidata à sucessão de Lula, recorreu a uma prática que atenta contra princípio fundamental do Estado democrático de direito, que atribui ao acusador o ônus da prova. Nesse caso, a mídia nacional tratou como periférica a questão nuclear: a perniciosa interferência político-partidária na gestão tributária.
Tanto o episódio Lina Vieira quanto, mais recentemente, o pedido de exoneração coletiva de 12 servidores da Receita Federal colocam a sociedade brasileira frente a tema fundamental, que é a independência da gestão tributária. Sabe-se que ao Fisco incumbe a missão de arrecadar o dinheiro necessário ao financiamento dos bens e serviços públicos e que, em razão do alto poder de regulação e intervenção no domínio econômico, os agentes do Fisco estão sujeitos a restrições e riscos somente equiparáveis a outras carreiras consideradas como exclusivas de Estado. Os servidores do Fisco não são agentes públicos a serviço de governos, mas da sociedade. E, por sua atividade medular em se tratando de conflito entre os interesses público e privado, carecem de prerrogativas que lhes deem proteção contra eventuais pressões dos agentes políticos, comumente permeadas por interesses corporativos. A mesma imparcialidade que se exige de um promotor ou juiz é cobrada do agente do Fisco, razão pela qual não se justificam condições materiais e funcionais dicotômicas entre essas carreiras. Raciocínio igual aplica-se aos delegados de polícia. Na contramão do preceito, os fiscais do Pará estão em condições mais aflitivas que as dos demissionários da RF, pois convivem com crônica e ostensiva interferência político-eleitoral na administração tributária, sintomática da privatização do Estado e da subordinação do interesse público ao interesse privado, sobretudo por parte de reais e potenciais financiadores de campanhas eleitorais. A seleção de contribuintes fiscalizáveis e a determinação da modalidade e alcance da fiscalização, que deveriam balizar-se exclusivamente por critérios técnicos em favor da legalidade e da justiça tributária, submetem-se, não raro, às conveniências eleitorais. A trampa está em contrabandear, em meio a soluções legítimas de proteção da economia, medidas que se destinam a enriquecer uns poucos - e os mesmos - a custas do sacrifício da maioria. É o que ocorre com anistias motivadas pela avidez arrecadatória, cuja recorrência estimula contribuintes à inadimplência premeditada, atenta à próxima anistia, sob o olhar desiludido dos adimplentes. Invariavelmente, as perdas de receita tributária em favor dos “apadrinhados” são compensadas com o arrocho dos setores mais desprotegidos. Mire os casos da cobrança de ICMS antecipado, que sobrecarregam pequenos empresários que aderiram ao Simples Nacional, e das elevadas alíquotas sobre energia elétrica, combustível e telefonia. As articulações para a liberação de lancha apreendida pelo Fisco no Gurupi, na divisa do Pará com o Maranhão, em razão das fartas evidências de subfaturamento, expõem o quanto a gestão tributária e seus agentes estão submetidos a pressões de grupos e pessoas politicamente influentes. Mais do que resistir à ingerência política, é preciso nutrir os agentes do Fisco com remuneração equiparável à das carreiras exclusivas de Estado. Há que se efetivar medidas objetivas de autonomia do Fisco, dentre as quais destaco como inadiáveis a reestruturação da Secretaria da Fazenda, retirando-lhe a função de encarregado do Tesouro para deter-se à tripla função de tributação, arrecadação e fiscalização; a nomeação do titular do órgão, pelo chefe do Executivo, em lista tríplice de servidores de carreira eleitos pela categoria; e a promoção da ética, mediante revisão do código de ética profissional, fortalecimento da Corregedoria Fazendária e efetivação do Conselho de Ética. Engana-se quem supõe que a autonomia administrativa e a independência funcional da administração tributária são fatores tendentes a privilegiar determinado seguimento de servidores. São, antes de tudo, salvaguardas da cidadania tributária. São, antes de tudo, prerrogativas indispensáveis à promoção da justiça tributária. São, antes de tudo, garantias de que os contribuintes não serão tratados distintamente em razão de suas relações eventuais com os governantes de plantão. *Charles Alcântara é presidente do Sindicato dos Servidores do Fisco do Pará (Sinditaf)