Diante de um caso inédito na história do Rio Grande do Sul, o ajuizamento de ação civil pública por improbidade administrativa contra um governador, juristas e professores de Direito Constitucional divergem sobre a utilização de recursos e até de termos jurídicos aplicados ao caso.
A seguir, estão três das principais controvérsias envolvendo o tema. Um dos pontos de discussão é se os envolvidos já podem ou não ser chamados de réus, uma vez que a juíza ainda não se manifestou sobre a ação proposta pelo Ministério Público Federal (MPF). O MPF considera que os nove apontados por fraude no Departamento Estadual de Trânsito (Detran) já são réus. Mas não há consenso.
Veja a opinião dos especialistas sobre o caso:
Os nove suspeitos na ação civil pública já são réus?
O tema é polêmico. Conforme o jurista Ives Gandra Martins, enquanto não se suspender ou arquivar a ação civil pública na Justiça Federal, eles serão réus.
– Em qualquer ação que eu entre, a outra parte se torna réu. Se eu entrar com uma ação contra o presidente da República, ele é réu pelo simples fato de eu entrar com a ação – afirmou Gandra Martins.
Professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Alexandre Mariotti tem entendimento semelhante:
– Tecnicamente, a partir do momento em que se propõe ação seja com ou sem fundamento, a ação terá um autor e terá como réus aquelas pessoas apontadas pela ação. Pode-se falar em réus desde que se tenha clara a ideia de que é uma manifestação unilateral do autor da ação. Evidentemente, isso não quer dizer que está provado efetivamente que essas pessoas cometeram qualquer ato ilícito.
O professor de Direito Constitucional Eduardo Carrion avaliou que não é equívoco considerar os envolvidos como réus. Mas o tema pode ser discutido.
– É um preciosismo. Em sentido estrito, se falaria em demandados neste momento. Falta completar a relação no Judiciário (juíza notificar os suspeitos). Em sentido amplo, pode-se falar em réus – disse Carrion.
Conforme o promotor aposentado Cláudio Brito, os requeridos ainda não são réus. Só serão após a Justiça aceitar o processo e mandar citar os envolvidos. Para o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Paulo Brossard, chamá-los de réus é um erro técnico.
– Não se pode chamar de réu porque não se trata de ação criminal. Trata-se de uma ação civil pública. Pode-se chamar de demandado. Réu é quando se trata de processo criminal – afirmou Brossard.
Por que o MPF ajuizou ação civil?
Os procuradores da República tiveram de atuar no seu campo de competência. Conforme a Constituição, não podiam propor outra medida contra investigados com foro privilegiado. Cabe ao MPF, que atua em nível de primeira instância, ajuizar ações civis públicas por improbidade administrativa (atos praticados por qualquer agente público no exercício do cargo, mandato ou função pública e que resultem em enriquecimento ilícito ou lesão ao Erário). Nesse caso, os procuradores puderam agir porque não existe foro privilegiado para casos de improbidade. Indícios de crime de suspeitos com foro privilegiado, têm de ser repassados à Procuradoria-Geral da República (PGR). Em Brasília, a PGR investiga essas pessoas mediante autorização prévia dos tribunais superiores. Quando se trata de governadores, é preciso de autorização junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Pode-se tirar mandato de governador por ação civil?
A questão é bastante polêmica. Segundo o professor de Direito Constitucional Eduardo Carrion, é possível fazer esse pedido e existe a previsão de perda do mandato desde que a possibilidade de ação civil pública por improbidade seja admitida nesse caso. O professor Alexandre Mariotti também considera isso possível.
– Como uma das penalidades é a perda de mandato, não haveria contradição de uma liminar se antecipar e suspender o exercício do mandato. Em princípio, o MPF tem competência para pedir (perda de cargo de autoridade estadual). Mas há margem para controvérsia – explicou Carrion.
Na avaliação do jurista Ives Gandra Martins, o MPF não tem competência para propor o afastamento da governadora.
– Segundo a Constituição, o MPF não tem competência para agir em relação ao exercício do mandato de uma governadora. Governador é competência estadual. O caso teria de ser levado à Assembleia ou ao Tribunal Regional Eleitoral – argumentou o jurista.