16/01/2015
Devido à sua importância estratégica para as contas públicas e para o desenvolvimento da sociedade brasileira, o pacto federativo é tema recorrente de estudos, palestras e eventos realizados por todo o Brasil no âmbito da administração tributária.
Um artigo do auditor-fiscal da Receita Estadual do RS Getulio Lago publicado na edição número quatro da revista Enfoque Fiscal (Dez/2012) apresenta, conforme grifado pelo próprio título do texto, alguns aspectos do pacto federativo brasileiro.
Aspectos do Pacto Federativo
Da concentração das competências e das disponibilidades tributárias
Podemos entender a federação como a conjunção, irrescindível, de entes autônomos, coordenados por um poder central soberano.
Diversamente, uma confederação integra Estados independentes que, embora representados por ela, não perdem sua soberania e conservam o direito de contestar o pacto federativo.
As federações adquirem matizes, segundo o grau de hierarquia e autonomia de seus entes federados. Contudo, independente da forma de federação, o Estado Federal constitui uma unidade na qual, sem favorecimentos ou prejuízos, os entes federados devem cooperar solidariamente em busca do desenvolvimento harmônico.
A federação, como forma de governo, contrapõe-se ao Estado Unitário, em que o poder político e decisório cabe exclusivamente ao governo central.
Do ponto de vista fiscal, o pacto federativo manifesta-se na disposição da distribuição das competências tributárias entre as diversas esferas de governo e do sistema de repasses, determinando, assim, o nível de recursos que cada ente federado disporá para fazer frente às metas sociais que lhe cabem.
– Qual é a nossa forma da federação?
– Como se expressa, tributariamente, o pacto federativo brasileiro?
Nossa Constituição Federal inicia o seu art. 1º declarando que a República Federativa do Brasil é "formada pela união indissolúvel dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal” e, em seu art. 18, estabelece que a "organização político-administrativa compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
A Carta Magna não estabelece precedência de um ente federado sobre outro. Proclama, limpidamente, a forma federativa de três níveis (tridimensional, segundo alguns), consagrando o federalismo cooperativo, com igualdade entre os entes federados e com distribuição de competências, em caráter privativo ou concorrente. Para coroar a afirmação do pacto federativo, a Constituição deu caráter de cláusula pétrea à forma federativa de Estado (art. 60, § 4º, I).
Fica cristalina a constituição dos entes federados como órgãos supremos, aos quais incumbe o exercício do poder político consoante competências atribuídas pela Constituição e cuja autonomia compreende a auto-organização, o autogoverno e a autoadministração.
Na ordem jurídica estabelecida, coexistem normas gerais, normas centrais e normas locais. Podemos identificar o ordenamento jurídico próprio de cada ente federado (nacional e subnacionais), que reflete validade e eficácia, e um ordenamento jurídico geral constituído pela coesão dos primeiros.
As matérias de ordem tributária, financeira, econômica e orçamentária foram arroladas entre as competências concorrentes (CF, art. 24, I, II e §§). No âmbito da legislação concorrente, a União deve limitar-se a estabelecer normas gerais, não sendo excluída a competência suplementar dos Estados. A superveniência da lei federal restringe-se, portanto, ao estabelecimento de normas de caráter geral. Em nosso entender, quando do exercício da competência complementar em matéria de caráter específico (não geral) os Estados não têm apenas supremacia, mas privacidade.
Quanto às competências tributárias, constata-se, contudo, que não são concorrentes. As prescrições do poder de instituir tributos estão contidas nos artigos 145 a 149-A da Constituição Federal. Os artigos 150 a 152 tratam das limitações do poder de tributar. Já nos artigos 153 a 156, a Constituição discrimina as competências para instituir impostos, por esfera de governo.
O sistema de repasses entre os entes federados e de participação destes nas receitas próprias de outros entes, que completa o arcabouço da disponibilidade de recursos para cada esfera de governo, está desenhado, por sua vez, nos artigos 157 a 162 da Constituição.
Percebe-se que a Constituinte de 1988 foi inquestionavelmente determinada ao impor mudanças radicais no conceito da federação. Perseguiu a descentralização do poder político de decisão estabelecendo maior equilíbrio entre os entes federados, com a consequente redefinição de atribuições para as esferas subnacionais.
Pensamos que ela foi muito tímida, entretanto, em relação ao estabelecimento de contrapartidas para que esses entes federados pudessem fazer frente aos novos encargos que lhes atribuiu. Embora tenha estipulado um maior volume de transferências dos recursos obtidos pela União com seus impostos e tenha redefinido algumas competências tributárias, ficou aquém das novas exigências de financiamento dos entes subnacionais.
Em 1988, a União abocanhava 71% do bolo tributário. Enquanto isso, os Estados e o DF ficavam com 26,12% e os municípios com 2,88%. Após a promulgação da Constituição, com a redefinição das competências tributárias e com a alteração de abrangência das bases tributárias dos impostos, trazidas por ela, as participações relativas passaram, em 1991, para 64,76% arrecadados pela União, 30,33% pelos Estados e o DF, e 4,92% pelos municípios.
Esse primeiro impulso descentralizador deveria ter sido solidificado e robustecido, mas ocorreu exatamente o contrário. À promulgação da Constituição seguiu-se um período de refluxo centralizador. Movimentos centralizadores não constituem, propriamente, uma novidade. Historicamente, sucederam-se movimentos de afirmação e de reação à forma federativa de Estado.
Nos períodos autoritários, os governos recorreram à centralização dos recursos e das decisões. Não seria possível manter sob o jugo totalitário uma nação da proporção da nossa, distribuída num território continental, preservando-se a descentralização política. O totalitarismo caracteriza-se pela imposição da vontade de um grupo monolítico, por meio da força. O fracionamento das decisões políticas, por ter caráter eminentemente democrático, atingiria de forma letal o poder totalitário e fragilizaria os seus instrumentos de repressão. De outra banda, mantendo-se os níveis locais de governo debaixo de forte dependência financeira, gera-se aparente legitimidade em favor do governo central, que joga o papel de "grande provedor”.
O que surpreende, numa leitura mais apressada, é que, em pleno período de consolidação do Estado de direito democrático, tenhamos experimentado tamanha sanha centralizadora. Na verdade, o descalabro fiscal e econômico do início da década de 90 foi determinante para gestar duas prioridades nacionais inquestionáveis, vitais: a preocupação com a estabilização da economia e a perseguição implacável do ajuste fiscal. Todos estavam dispostos ao sacrifício.
O Congresso Nacional aprovou, reiteradas vezes, o FEF (Fundo de Estabilização Fiscal), uma forma de os Estados e os municípios contribuírem para a estabilidade do orçamento da União. A Lei Kandir, deletéria para os Estados exportadores, encontrou ambiente propício. Era a solução para gerar divisas que pudessem fazer frente ao serviço da dívida externa.
Estribado nessa "legitimação centralizadora” e difundindo a crença de que os governos infranacionais são perdulários, e que se não forem mantidos em condições de penúria financeira prejudicarão o esforço de ajuste fiscal, o governo federal passou a aumentar as contribuições, receitas não compartilhadas, e a reduzir os tributos compartilhados, fragilizando as instâncias de poder decisório subnacionais e dizimando sua capacidade administrativa pela via da dependência financeira (a velha estratégia totalitária).
Para agravar a situação, os Estados, cujas dívidas cresceram exponencialmente no início da década de 90, em decorrência de decisões do Governo Federal que, como parte de sua política econômica, adotava juros escorchantes, foram compelidos a renegociá-la em condições que se demonstraram predatórias, com favorecimento às finanças da União, em prejuízo dos Estados.
Essas e outras medidas conjugaram-se para produzir condições ideais à criação da conhecida política do "pires na mão”, que atenta contra a autonomia federada e compromete o pacto federativo. E, como resultado das mesmas, de lá para cá, a situação reverteu-se. A União voltou a amealhar competências tributárias que lhe renderam, em 2010, 69,91% do bolo tributário, sobrando 25,22% para os Estados e DF, e 4,87% para os municípios. Se compararmos a situação de 2010 com a de 1988, veremos que a União detém 1,09% a menos, os Estados e o DF têm 0,9% a menos, e os municípios têm 2,01% a mais – um retorno quase total à situação anterior a 88.
É imperioso observar que, transparecendo mais um sintoma de centralismo, no tocante às competências concorrentes (CF, art. 24, I, II e §§), especificamente no que diz respeito às questões tributárias, a Constituição Federal, que originariamente elegera algumas normas gerais propriamente ditas para serem tratadas em Lei Complementar (Art. 146, I, II e III, alíneas "a” a "c”), consagrou, em nosso entender de maneira anômala, como resultado da Emenda Constitucional 42/2003 (Art. 146, III, "d”, parágrafo único, itens I a IV), como norma geral objeto de Lei Complementar, matéria tributária de caráter específico (Simples Nacional), confrontando o disposto no art. 24, antes citado.
Muitas vezes as pessoas questionam:
– Como a União dispõe de tantos recursos?
– Com quanto cada Estado contribui para o financiamento das políticas públicas da União?
– Os Estados remetem mais recursos à União, ou recebem mais recursos dela?
– A distribuição de recursos entre os Estados para fazerem frente às demandas sociais de suas populações é equitativa?
Entendemos que esses temas são, na verdade, pouco transparentes para a população em geral. Entretanto, por serem fundamentais para o entendimento do pacto federativo, deveriam ser tratados e debatidos cotidianamente pelos cidadãos.
É nesse contexto que aspiramos visitar elementos relevantes do tema, sem, contudo, pretendermos esgotá-los, e que nos permitimos algumas digressões que julgamos instigantes.
Os recursos de que a União dispõe para fazer frente aos seus orçamentos provêm, primariamente, de sua arrecadação de tributos.
Apresentamos, abaixo, um demonstrativo com essas disponibilidades, relativas ao ano de 2010:
Arrecadação e Disponibilidades da União, por UF.
(em milhões de reais)
UF
|
Receitas Administradas p/ RFB
|
Transferências Constitucionais da União
|
Recursos Disponíveis
|
|||
Valores
|
% sobre PIB (estimado) da UF
|
p/ Estados
|
p/ municípios
|
Valores
|
% sobre PIB (estimado) da UF
|
|
DF
|
52.608,25
|
35,27%
|
8.079,69
|
71,88
|
44.456,68
|
29,80%
|
RJ
|
96.023,83
|
23,92%
|
4.194,24
|
4.717,40
|
87.112,19
|
21,70%
|
SP
|
227.198,59
|
18,47%
|
13.836,02
|
15.938,92
|
197.423,64
|
16,05%
|
ES
|
10.111,79
|
13,35%
|
1.562,28
|
1.862,53
|
6.686,98
|
8,83%
|
SC
|
17.859,96
|
12,13%
|
2.281,58
|
3.130,24
|
12.448,14
|
8,45%
|
PR
|
27.138,03
|
12,59%
|
4.044,53
|
4.874,96
|
18.218,54
|
8,45%
|
RS
|
26.772,42
|
10,93%
|
4.318,94
|
5.333,32
|
17.120,16
|
6,99%
|
AM
|
7.408,78
|
13,16%
|
1.987,97
|
1.590,28
|
3.830,53
|
6,81%
|
MG
|
30.376,36
|
9,33%
|
7.145,61
|
9.328,68
|
13.902,07
|
4,27%
|
GO
|
6.932,99
|
7,14%
|
2.516,34
|
2.845,02
|
1.571,63
|
1,62%
|
PE
|
8.249,98
|
9,27%
|
4.179,62
|
4.080,51
|
-10,15
|
-0,01%
|
BA
|
10.941,10
|
7,04%
|
5.862,20
|
7.710,52
|
-2.631,62
|
-1,69%
|
MT
|
2.247,51
|
3,46%
|
2.052,47
|
1.558,95
|
-1.363,91
|
-2,10%
|
MS
|
1.708,80
|
4,14%
|
1.210,56
|
1.390,10
|
-891,86
|
-2,16%
|
CE
|
5.918,00
|
7,94%
|
3.796,71
|
4.618,16
|
-2.496,87
|
-3,35%
|
RN
|
1.610,80
|
5,09%
|
2.206,64
|
1.816,64
|
-2.412,47
|
-7,62%
|
PA
|
2.619,57
|
3,95%
|
3.836,08
|
3.911,72
|
-5.128,23
|
-7,74%
|
SE
|
1.188,00
|
5,30%
|
2.046,05
|
1.175,36
|
-2.033,41
|
-9,07%
|
RO
|
790,13
|
3,44%
|
2.188,81
|
753,42
|
-2.152,11
|
-9,37%
|
PB
|
1.548,37
|
4,75%
|
2.510,85
|
2.245,53
|
-3.208,01
|
-9,85%
|
MA
|
2.789,28
|
6,17%
|
3.705,47
|
3.908,99
|
-4.825,18
|
-10,67%
|
AL
|
1.046,36
|
4,34%
|
2.073,57
|
1.945,29
|
-2.972,50
|
-12,34%
|
PI
|
982,08
|
4,55%
|
2.197,54
|
2.033,53
|
-3.248,99
|
-15,05%
|
TO
|
517,71
|
3,13%
|
2.196,11
|
954,34
|
-2.632,75
|
-15,93%
|
AC
|
289,39
|
3,45%
|
1.913,64
|
399,00
|
-2.023,25
|
-24,15%
|
RR
|
221,42
|
3,49%
|
1.703,53
|
281,23
|
-1.763,35
|
-27,79%
|
AP
|
241,42
|
2,87%
|
2.471,12
|
291,11
|
-2.818,98
|
-30,01%
|
BR
|
545.340,89
|
14,84%
|
96.118,18
|
88.767,62
|
360.455,08
|
9,81%
|
– As Receitas Arrecadadas pela União em cada UF, administradas pela Receita Federal do Brasil, incluem: IR, IE, II, IOF, ITR, COFINS, PIS/PASEP, CSLL, CIDE, FUNDAF e Outras Receitas; não incluem: Receitas Adm. p/ Outros Órgãos e PSS – Contribuição p/ Plano Seguridade Servidor;
– As Transferências Constitucionais da União para os Estados incluem: FPE, IOF, IPI-EXP, FUNDEB, LC 87/96, CIDE e FEX (fonte: Tesouro Nacional), às quais adicionamos as aplicações diretas da União no Fundo Constitucional DF (Lei 10.633/02) e para os ex-territórios: AC (Lei 4.070/62), RO (LC 41/81), AP (CF), RR (CF), RJ (DL 1.015/69); e as transferências intergovernamentais: MT (LC 31/77) e RS (Lei 3.887/69).
– As Transferências Constitucionais da União para os municípios incluem: FPM, ITR, IOF, FUNDEB, LC 87/96, CIDE e FEX.
– A Receita Disponível para a União (contribuição líquida de cada UF) é o valor que resulta da arrecadação da União em cada UF, após a dedução das respectivas transferências constitucionais para os Estados e municípios.
Ressalvamos, inicialmente, que esse quadro não representa fielmente a contribuição da economia de cada Estado para os orçamentos da União. A tabela parte da informação disponibilizada num demonstrativo chamado "Arrecadação das Receitas Federais por Unidade da Federação”, elaborado pela Divisão de Acompanhamento da Arrecadação da RFB e reflete, financeiramente, os valores dos recursos arrecadados em cada UF. Ocorre que a arrecadação da RFB é realizada de forma centralizada no estabelecimento matriz das empresas. Assim, do ponto de vista da contribuição da economia de cada UF, a informação estaria superavaliada nos Estados que concentram as matrizes das empresas e apresentaria valores inferiores à contribuição da economia da respectiva UF, em relação às que predominantemente possuem filiais, mas não os estabelecimentos matrizes.
Tendo em vista que SP, RJ e DF concentram a maioria das matrizes das empresas (este último, especialmente das financeiras), devemos considerar, para efeitos de análise, que a contribuição das economias dessas UFs seria bem menor do que a apresentada no demonstrativo, e que a contribuição das economias das outras UFs seria um pouco maior do que a apurada no demonstrativo.
Assim, embora sem o rigor desejável, é possível observar, de forma geral e com algumas exceções, que as economias dos Estados do sul, do sudeste e do DF, tidas como mais prósperas, contribuem positivamente para os orçamentos da União, enquanto a maioria dos Estados do centro-oeste ficaria em uma faixa neutra, e as economias dos Estados do norte e do nordeste estariam numa faixa de contribuição negativa (não contribuiriam para os orçamentos da União, receberiam recursos líquidos). Dentre estas últimas, destacam-se as contribuições negativas de Estados criados recentemente (1988), AP, RR e TO, a do AC (elevado à condição de Estado em 1962), e a do PI.
As exceções ficam por conta da economia do AM que, embora situado na região norte, está entre as de contribuição positiva, e as dos Estados de PE e da BA que, localizados na região nordeste, ficam na faixa de contribuição neutra.
Em relação aos recursos de que os Estados dispuseram em 2010 para atender às demandas sociais de suas populações, apresentamos outro demonstrativo:
Recursos Tributários Disponíveis, por UF.
UF
|
Arrecadação Própria Líquida
|
Transf. Constit. da União
|
Recursos Disponíveis
|
Arrecadação Própria Líquida
|
Transf. Constit. da União
|
Recursos Disponíveis
|
Renda per capita (estimada)
|
Arrecad. / disponib.
|
|
Valores (em milhões de reais)
|
Per capita (em reais)
|
(em reais)
|
%
|
||||||
DF
|
3.899,57
|
8.079,69
|
11.979,26
|
1.517,25
|
3.143,65
|
4.660,90
|
58.038,40
|
32,55%
|
|
RR
|
332,13
|
1.703,53
|
2.035,66
|
737,27
|
3.781,61
|
4.518,88
|
14.085,20
|
16,32%
|
|
AP
|
392,6
|
2.471,12
|
2.863,72
|
586,39
|
3.690,85
|
4.277,23
|
12.545,61
|
13,71%
|
|
AC
|
450,93
|
1.913,64
|
2.364,58
|
614,72
|
2.608,71
|
3.223,43
|
11.422,65
|
19,07%
|
|
RO
|
1.732,73
|
2.188,81
|
3.921,54
|
1.109,01
|
1.400,92
|
2.509,93
|
14.693,41
|
44,18%
|
|
TO
|
929,94
|
2.196,11
|
3.126,05
|
672,19
|
1.587,42
|
2.259,61
|
11.948,69
|
29,75%
|
|
SP
|
76.136,89
|
13.836,02
|
89.972,91
|
1.845,20
|
335,32
|
2.180,52
|
29.813,37
|
84,62%
|
|
ES
|
5.848,39
|
1.562,28
|
7.410,67
|
1.663,86
|
444,47
|
2.108,33
|
21.548,11
|
78,92%
|
|
MS
|
3.580,66
|
1.210,56
|
4.791,22
|
1.462,08
|
494,30
|
1.956,38
|
16.846,87
|
74,73%
|
|
MT
|
3.613,77
|
2.052,47
|
5.666,25
|
1.190,65
|
676,24
|
1.866,89
|
21.415,38
|
63,78%
|
|
AM
|
4.248,12
|
1.987,97
|
6.236,09
|
1.219,33
|
570,60
|
1.789,93
|
16.155,51
|
68,12%
|
|
RS
|
14.657,26
|
4.318,94
|
18.976,20
|
1.370,62
|
403,87
|
1.774,48
|
22.899,80
|
77,24%
|
|
SC
|
8.467,66
|
2.281,58
|
10.749,24
|
1.355,16
|
365,14
|
1.720,31
|
23.567,65
|
78,77%
|
|
SE
|
1.420,75
|
2.046,05
|
3.466,80
|
687,01
|
989,38
|
1.676,39
|
10.843,75
|
40,98%
|
|
GO
|
6.979,79
|
2.516,34
|
9.496,13
|
1.162,56
|
419,13
|
1.581,69
|
16.177,72
|
73,50%
|
|
RJ
|
20.795,02
|
4.194,24
|
24.989,26
|
1.300,51
|
262,3
|
1.562,81
|
25.107,29
|
83,22%
|
|
MG
|
22.468,60
|
7.145,61
|
29.614,21
|
1.146,51
|
364,62
|
1.511,13
|
16.617,32
|
75,87%
|
|
PR
|
11.230,33
|
4.044,53
|
15.274,86
|
1.075,24
|
387,24
|
1.462,48
|
20.636,66
|
73,52%
|
|
RN
|
2.363,79
|
2.206,64
|
4.570,42
|
746,14
|
696,53
|
1.442,67
|
9.992,77
|
51,72%
|
|
PE
|
6.788,40
|
4.179,62
|
10.968,02
|
771,72
|
475,15
|
1.246,87
|
10.114,78
|
61,89%
|
|
PB
|
2.146,49
|
2.510,85
|
4.657,33
|
569,88
|
666,62
|
1.236,51
|
8.650,10
|
46,09%
|
|
PI
|
1.592,07
|
2.197,54
|
3.789,61
|
510,55
|
704,71
|
1.215,26
|
6.924,27
|
42,01%
|
|
AL
|
1.618,67
|
2.073,57
|
3.692,24
|
518,72
|
664,5
|
1.183,22
|
7.720,08
|
43,84%
|
|
BA
|
9.138,75
|
5.862,20
|
15.000,95
|
651,98
|
418,22
|
1.070,20
|
11.094,27
|
60,92%
|
|
PA
|
3.999,55
|
3.836,08
|
7.835,63
|
527,57
|
506,01
|
1.033,58
|
8.739,59
|
51,04%
|
|
CE
|
4.892,72
|
3.796,71
|
8.689,44
|
578,86
|
449,19
|
1.028,05
|
8.818,72
|
56,31%
|
|
MA
|
2.410,86
|
3.705,47
|
6.116,32
|
366,68
|
563,59
|
930,27
|
6.876,92
|
39,42%
|
|
BR
|
222.136,44
|
96.118,18
|
318.254,63
|
1.164,65
|
503,94
|
1.668,59
|
19.267,80
|
69,80%
|
– A arrecadação própria está apresentada pelo seu valor líquido (já descontadas transferências para municípios) de cada UF. Inclui: 75% do ICMS, 50% do IPVA, ITCD e Taxas (Fonte: balanços dos Estados);
– As Transferências Constitucionais da União para cada Estado incluem: FPE, IOF, IPI-EXP, FUNDEB, LC 87/96, CIDE e FEX (fonte: Tesouro Nacional), às quais adicionamos as aplicações diretas da união no Fundo Constitucional DF (Lei 10.633/02) e para os ex-territórios: AC (Lei 4.070/62), RO (LC 41/81), AP (CF), RR (CF), RJ (DL 1.015/69);e as transferências intergovernamentais: MT (LC 31/77) e RS (Lei 3.887/69).
– Os recursos disponíveis para cada Estado resultam da soma da arrecadação própria de cada UF com as respectivas Transferências Constitucionais recebidas da União. (observação: a tabela está classifica em ordem decrescente dos valores da coluna que apresenta os Recursos disponíveis per capita);
– A última coluna apresenta o percentual de participação das receitas tributárias próprias no total das disponibilidades, de cada UF.
O espectro das disponibilidades per capita dos Estados revela grande amplitude, vai de R$ 4.660,90 (DF) a R$ 930,27 (MA).
Identifica-se, inicialmente, que o grupo de Estados que dispõe dos maiores valores per capita (entre R$ 4.660,90 e R$ 2.259,61), ou seja, daqueles que ficam em condições de investir maiores recursos no atendimento das necessidades de cada cidadão, está composto basicamente pelos ex-territórios, cujas economias destacam-se entre as que não contribuem para os orçamentos da União e que recebem recursos líquidos transferidos: AP, RR e AC, e o recentemente criado TO, aos quais veio a somar-se o também ex-território RO. Em todos eles as transferências recebidas representam mais de 55% das disponibilidades.
Em princípio, o quadro apresenta-se razoável. Trata-se de Estados com economias incipientes, com baixa capacidade de gerar tributos, todos com renda per capita abaixo da renda nacional e que necessitariam de maiores investimentos, inclusive nas áreas sociais. Parece gritante, contudo, a necessidade de políticas efetivas de desenvolvimento das potencialidades econômicas dessas UFs, para que possam gerar renda própria e diminuir seu grau de dependência das transferências compulsórias.
Encontramos destoando, entretanto, com o maior valor de verba disponível, o DF. Estamos falando da UF com maior renda per capita, mais do triplo da renda per capita do Brasil e o dobro da renda per capita de SP (segundo colocado no ranking brasileiro). Revela-se mais incompreensível quando verificamos que valor superior a dois terços dessa verba decorre de transferências compulsórias.
Solicitamos licença para abstrairmos, por um momento, do ente federado Distrito Federal e ponderarmos que na mesma base territorial convivem a Unidade da Federação e a Sede da Administração Central. Fortes nessa visão, fazemos a primeira digressão: alguns a denominam "Ilha da Fantasia”, pela disparidade no confronto com a realidade brasileira; outros a chamaram "Noruega Candanga”, pelo seu elevado IDH – se fosse um país teria o maior IDH do mundo. Deveria ser o vetor de interiorização do desenvolvimento, mas tem se comportado como um polo de concentração de recursos. Cabe referir que, da despesa executada com pessoal da União em 2009, foram alocados em Brasília R$ 100.435.622.619,83 (fonte: demonstrativo de "Acompanhamento da Despesa com Pessoal, por UF” – Tesouro Nacional – SIAFI).
*Observação: esse valor inclui o pessoal da Adm. Direta, da Adm. Indireta, das Autarquias, das Fundações, das Empresas Públicas e das Soc. de Econ. Mista.
A concentração da Administração Central não tem se traduzido em capacidade de servir como elemento irradiador de renda. A renda elevada está concentrada num raio de vinte e dois quilômetros. O DF é mais desigual que o Brasil e, pelos dados disponíveis, vem piorando, na contramão do país, que apresenta leve melhora. O índice de Gini em Brasília, que era de 60,34 em 2005, aumentou para 61,95 em 2009, período em que o mesmo índice diminuiu de 56,75 para 54,01, no Brasil.
Segundo pesquisa da Secretaria de Estado do Trabalho (DF), em 2010, a renda per capita mensal em salários mínimos era: no Plano Piloto (Reg. Adm. I), 7,3; em Cruzeiro (Reg. Adm. XI), 7,8; no Lago Norte (Reg. Adm. XVIII), 8,1; no Lago Sul (Reg. Adm. XVI), 8,5. Até aqui, não ultrapassamos o raio de oito quilômetros. A partir desse ponto, as melhores rendas caem quase pela metade desse patamar. Mas, após os vinte e dois quilômetros despencam: a renda per capita mensal mais elevada que encontramos corresponde à de São Sebastião (Reg. Adm. XIV), de 1,8 salários mínimos, chegando à renda mais baixa, de 0,9 salários mínimos, em Paranoá (Reg. Adm. VII). Encontram-se nesse cinturão: Samambaia, Santa Maria, Recanto das Emas, Gama, Planaltina, Brazlândia e Ceilândia.
Sim, era de se esperar: Ceilândia, aquela cujo nome resultou das iniciais da "Comissão de Erradicação de Invasores” mais o sufixo "lândia” (renda per capita de 1,3 salários mínimos mensais), a mesma que, a vinte e seis quilômetros dos abonados, abriga a segunda maior favela do Brasil: Condomínio do Sol Nascente, com 56.483 habitantes (censo 2010 – IBGE).
Tudo está a indicar que, à excessiva concentração do poder central, que detém 69,91% das competências tributárias, soma-se a excessiva concentração administrativa, na Capital Federal.
Feito o parêntese e continuando a análise, verificamos um segundo grupo de Estados com disponibilidades per capita um pouco menor (entre R$ 2.180,52 e R$ 1.676,39), mas ainda acima da média ponderada nacional. A maioria deles, SP, ES, RS, SC e AM, são Estados cujas economias contribuem para os orçamentos da União, ladeados dos Estados do MT e do MS, cujas economias ficariam próximas à neutralidade em termos contribuição para os orçamentos da União, e do SE, cuja economia recebe recursos líquidos transferidos. Excetuando-se este último, são Estados com alto índice de arrecadação própria, entre 63,78% (MT) e 84,62% (SP) das respectivas verbas disponíveis.
Ainda é possível identificar um terceiro grupo de Estados (GO, RJ, MG e PR) que, embora disponham de verbas per capita em valores inferiores à média ponderada nacional, também apresentam alto índice de arrecadação própria em relação à verba disponível, entre 73,52% e 83,22%.
Cabe esclarecer que o demonstrativo (por tratar de recursos tributários) não computa as compensações financeiras pela exploração de recursos naturais.
Como sabemos, essas receitas ganham especial relevância no caso do RJ. No ano de 2010, a rubrica "134099 – Outras Compensações Financeiras”, que engloba a compensação financeira de recursos minerais, de recursos hídricos, e os royalties, FEP, compensação financeira e participação especial, pela exploração e produção de petróleo e gás natural, totalizou para aquele Estado R$ 6.127.328.463,98 (já descontada a compensação financeira dos royalties pela produção de petróleo transferida pelo RJ aos seus municípios). Com essa verba, as disponibilidades per capita do RJ alcançariam R$ 1.946,00, o que o elevaria a patamares semelhantes às do segundo grupo analisado, sem necessidade de realizar grandes esforços tributários. O RJ constitui-se, também, no segundo Estado em alocação de despesas de pessoal da União, tendo recebido, em 2009, R$ 29.373.996.129,71 (fonte: Demonstrativo de Acompanhamento da Despesa com Pessoal, por UF – Tesouro Nacional – SIAFI).
O quadro apresenta, finalmente, um grupo de nove Estados, RN, PE, PB, PI, AL, BA, PA, CE e MA, com baixos valores de disponibilidades per capita (inferiores aos do grupo anterior), entre R$ 1.442,67 (RN) e R$ 930,27 (MA), mas, neste caso, boa parte da disponibilidade é proveniente de transferências da União.
O cenário demonstra-nos que as competências tributárias e as disponibilidades de recursos estão concentradas, excessivamente, no ente federado nacional, o que atenta contra a autonomia federada, cria dependência financeira dos entes subnacionais, fragiliza essas instâncias de poder decisório e dizima a suas capacidades administrativas.
Os recursos disponibilizados aos Estados para fazerem frente às demandas sociais de suas populações estão distribuídos de maneira desequilibrada e, embora as transferências respondam a critério relativamente distributivo, parece-nos que estão mal dimensionadas e que não atendem à premissa de desenvolvimento harmônico e de correção das desigualdades.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, ouvimos frequentes queixas em relação ao tratamento pouco equânime e por vezes nada republicano recebido do governo central.
Das transferências voluntárias da União, o RS recebeu, no computo dos últimos dez anos, o equivalente a R$ 23,68 habitante/ano, o que o coloca em 21º lugar dentre as UFs. Já os municípios gaúchos receberam, em seu conjunto, R$ 27,80 habitante/ano, ficando em 18º lugar no ranking, considerados os conjuntos de municípios de cada Estado. O valor que o RS e seus municípios receberam por habitante/ano, de transferências voluntárias, somado, corresponde, respectivamente, a 97,02%, 85,70%, 83,55%, 80,56% e 76,85% do que RJ, MG, SC, SP e PR, e seus municípios, receberam por habitante/ano na última década.
A mais recente reclamação desaguou numa nota do Secretário Mauro Knijnik, na qual afirma que "tem até um temor de tratar sobre novos empreendimentos com o ministério liderado por Pimentel, com receio de que os mesmos sejam encaminhados para outros Estados” e que os gaúchos também estejam "fazendo papel de bobos”, porque estão "pagando a conta” do equilíbrio da balança comercial do país com a Argentina.
O ex-presidente da Fiergs, Paulo Vellinho, recomenda humildade aos gaúchos. Concordamos, a humildade compõe a nobreza de espírito. Mas, humildade com altivez, sem perder a dignidade, sem subserviência, sem humilhação.
Mas, retornando à "res de qua agitur”, pensamos que foi com base em preocupante diagnóstico a respeito da situação dos aspectos tributários das relações federativas que o Senado Federal instalou, em 12/04/12, uma comissão de especialistas constituída "com a finalidade de promover a reforma do pacto federativo, em atendimento às novas exigências de redução das desigualdades regionais e manutenção do equilíbrio entre o poder central da União e a descentralização de políticas e recursos públicos”.
A comissão, após sucessivas prorrogações de prazo, aprovou o relatório parcial, com as seguintes proposições:
a) Propostas de Emenda Constitucional:
i. Elevação da parcela do IPI transferida para os Estados e municípios exportadores e alteração nos respectivos critérios de rateio (art. 159, II, e parágrafo único, da Constituição);
ii. Vedação ao estabelecimento de normas, de âmbito nacional, que repercutam sobre a remuneração de servidores estaduais e municipais (art. 37, XXIII, da Constituição);
iii. Alteração nos critérios de rateio da cota-parte municipal do ICMS (art. 158, parágrafo único, da Constituição).
b) Projetos de Lei Complementar:
i. Estabelecimento, em caráter excepcional em relação ao disposto no art. 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101, de 4 de maio de 2000), de condições para refinanciamento de dívidas contratadas com a União pelos Estados, Distrito Federal e municípios;
ii. Regulamentação da forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais, no âmbito do ICMS, serão concedidos e revogados, em conformidade com o disposto na alínea ‘g’ do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição;
iii. Alteração da Lei Complementar nº 62, de 28 de dezembro de 1989, para dispor sobre os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE);
iv. Alteração do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966), para instituir cadastro único dos contribuintes, pessoas físicas e jurídicas.
c) Outras proposições:
i. Instituição, no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), do tipo penal relacionado com práticas da guerra fiscal por agentes públicos, no âmbito dos crimes contra as finanças públicas;
ii. Redução gradual, mediante Resolução do Senado Federal, das alíquotas do ICMS aplicáveis às operações e prestações interestaduais.
Desde já louvamos algumas das proposições, em especial as referidas nos itens "a”, "ii” e "iii” e "c”, "i” e "ii”. E, enquanto analisamos o conteúdo das demais, aproveitamos para reivindicar a adoção de algumas medidas, fundamentais para a indução da "cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional” (CF, art. 23, parágrafo único), tais quais:
1.
A estruturação eficiente e equitativa do sistema de competências tributárias e a atribuição equilibrada de encargos entre níveis de governo;
2.
A formulação de um sistema de transferências intergovernamentais que traduza com transparência o pacto federativo, robustecendo-o. A melhor distribuição das competências tributárias permitiria a substituição do FPE por um fundo de redistribuição horizontal de verbas (entre as UFs), provido com parte do acréscimo dos tributos arrecadados pelos Estados. A redistribuição de verbas, a meu ver, deveria seguir critérios adequados de complementação aos Estados com menor desenvolvimento humano, que variassem conforme viessem a se alterar as referidas condições;
3.
Recuperação gradual das verbas disponíveis para as esferas estaduais e municipais de governo, pela substituição gradativa dos recursos disponíveis para a União;
4.
Estabelecimento de critérios mais equitativos para o pagamento e a distribuição de "royalties” e da participação especial, devidos em função da exploração do petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
5.
(Observação: No dia 06/11/12, a Câmara de Deputados aprovou o PL 2565/2011, que recebeu veto parcial da Presidência da República em 30/11/12).Redução gradual da carga tributária total, na margem em que o crescimento da economia permita, com adoção de medidas pontuais e estratégicas, de forma a induzir o desenvolvimento econômico (círculo virtuoso), sem comprometer os orçamentos dos entes federados;
6.
Imediato refazimento dos contratos de negociação das dívidas dos Estados; e
7.
Que o Governo Federal assuma a competência que a Constituição lhe confere no artigo 21, XI, com a adoção de políticas efetivas de desenvolvimento regional, econômico e social, visando ao resgate das regiões com economias incipientes ou deprimidas.
Penso que não devemos aceitar a ideia de que a unidade nacional e a coesão política sejam resultantes de um frágil equilíbrio imposto pelo ferrenho poder central que, no exercício do monopólio da força ou mediante a manipulação da dependência financeira dos entes subnacionais, submete as vontades regionais, locais e individuais.
A federação sustenta-se na afirmação permanente da identidade nacional, pela vontade do conjunto de seus cidadãos. Só assim alcança-se um ordenamento jurídico geral verdadeiramente legítimo e soberano, capaz de promover a cooperação entre os entes federados e o desenvolvimento harmônico da nação.
Getulio Lago
Publicação: Fisco-RS