02/04/2009 CORREIO BRAZILIENSE
Claudio Weber Abramo
Diretor executivo da Transparência Brasil
Informação é poder, e poder se disputa. Muitos movimentos da história definiram-se porque uma potência detinha mais informação do que outra sobre algum aspecto que fazia diferença. O mesmo ocorre dentro de cada sociedade, podendo-se mapear a distribuição do poder em termos do controle da informação. O poder político se exerce pelo uso da informação. As empresas dominantes no mercado controlam mais informação do que as competidoras e os ricos são ricos também porque são mais informados sobre quase tudo do que os pobres.
Em tempos recentes, a disputa por informação no seio das sociedades passou a ser associada ao exercício da representação democrática. O tema do acesso à informação tem recebido atenção cada vez maior. O assunto tem relação direta e essencial com a eficiência da alocação da riqueza nas sociedades. A riqueza é alocada por meio de processos decisórios que, por sua vez, dependem da disponibilidade de informação. Quanto mais incompleta é a informação disponível, mais inseguras resultam as decisões tomadas e, portanto, maior a probabilidade de prejuízo à eficiência na alocação dos recursos.
Isso vale tanto para quem vai à feira no sábado (não convém comprar limões do primeiro ambulante que aparecer) quanto para governos. Com a diferença de que se compro mal meus limões, quem sofre é minha família (porque deixarei de comprar alguma outra coisa), ao passo que, se o governante decide a partir de informação deficiente, o prejuízo econômico afeta toda a sociedade.
Dessa forma, se postos de saúde são instalados sem se considerar a distribuição da demanda, o resultado são falhas no atendimento de parte da população. Isso provoca agravamento de situações de saúde que poderiam ter sido resolvidas mais precocemente. Ao adoecerem, pessoas deixam de trabalhar por algum tempo, afetando a produção de riqueza. Outra consequência é criar-se maior demanda por atendimento hospitalar mais complexo, que é mais caro. Tanto faz se esse aumento de custos é coberto pelo Estado ou pelo bolso dos cidadãos — trata-se de recursos extraídos da economia como um todo e que deixam de ser aplicados em atividades geradoras de riqueza.
Informação não é apenas aquilo que decorre da observação de dados primários (oferta de tomates a tais ou quais preços, ou tantos nascimentos por mil habitantes), mas também aquilo que se observa ou se interpreta das diversas situações da vida, e que encontra expressão na manifestação dos atores. Se nos dizem na feira “O morango daquela banca é branco por dentro“, levamos isso em conta em nossa decisão de compra. De forma semelhante, a opinião e, mais ainda, a experiência relatada por usuários dos serviços públicos, são insumos importantes para as decisões dos gestores desses serviços.
Igualmente, as análises de observadores externos ao Estado também constituem informação útil. Quanto menos são levados em conta, menos inteligentes resultam as decisões governamentais. Como grande parte dos dados que se usam em processos decisórios tem alto grau de complexidade, a probabilidade de erro aumenta com a redução dos interlocutores.
Quanto mais as ideias são expostas a debate aberto, mais se estimula a exibição de suas falhas e mais favoráveis se tornam as condições para que estas sejam evitadas. Mas a crítica só serve para alguma coisa se feita com conhecimento de causa. Isso fecha o círculo de volta à disponibilidade de informação.
O acesso público à informação permite um monitoramento mais atento das motivações privadas e políticas que, por vezes, interferem com as decisões técnicas. Não se trata apenas de identificar roubalheiras (por si só um objetivo fundamental). Acontece que se os interesses dispersos na sociedade conhecem melhor os dados administrados pelo Estado, tornam mais difíceis o abuso de poder e a prática do clientelismo político.
Nosso país é um dos poucos do mundo cuja Constituição garante a qualquer pessoa acesso a informação detida pelo Estado. Na outra ponta, a Constituição obriga os agentes públicos a obedecerem ao princípio da publicidade, a saber, darem conta do que fazem.
Uma vantagem que a ampliação do acessso à informação apresenta sobre outros processos de transformação do Estado é que dá origem a um fenômeno de autoalimentação. Quanto mais informação é disponibilizada para a sociedade, mais cresce a demanda por informação adicional, mais competentes são as contribuições vindas de fora do Estado e mais informação e de melhor qualidade o governante tem à disposição para decidir. É esse o melhor argumento pragmático para que os governantes sejam transparentes. Não porque isso seja politicamente correto, mas porque melhora a eficiência de sua gestão.
Evidentemente, mencionar direitos e deveres constitucionais e recorrer a argumentos de eficiência alocativa não é suficiente para induzir os agentes do Estado a serem mais transparentes. Parece claro que o Brasil precisa de uma regulamentação da Constituição nesse particular, e que tenha dentes. A coleta, armazenamento e publicação de informação precisam ser gerenciadas para que de fato ocorram. E precisa haver mecanismos de punição dos agentes públicos que suprimam informação. O tema está em debate hoje no Interlegis, no segundo dia do Seminário Internacional sobre Direito de Acesso a Informações Públicas promovido pelo fórum de Acesso à Informação. Vale a pena assistir.