19/08/2009 JORNAL DO COMÉRCIO
As empresas exportadoras sofreram na quinta-feira passada, dia 14, uma derrota para a União em uma batalha que se arrastava há vários anos. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) deixou de vigorar em outubro de 1990. O benefício fiscal foi criado em 1969 para estimular o comércio exterior e era uma disputa judicial antiga entre o governo e empresários. A União considerava o benefício extinto desde 1983; já para os exportadores ele ainda estaria em vigor. O governo federal ganhou uma disputa de quase R$ 300 bilhões com exportadores.
No entendimento dele, o crédito-prêmio se encaixava nesse perfil porque os decretos que criaram o incentivo faziam menção direta a produtos manufaturados, o que, na prática, limitava o benefício à indústria e ao setor exportador. De acordo com a presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, Alice Grecchi, a votação do Supremo Tribunal Federal supreende e poderá ter sérios reflexos sobre o segmento de exportações no Rio Grande do Sul. “O STF, em um processo relâmpago, ao contrário do que ocorre normalmente, julgou o processo considerando o crédito-prêmio extinto. Essa postura causa estranheza”, destaca.
O surgimento do crédito-prêmio no Brasil seguiu uma tendência mundial da época, aplicada em países da Europa e nos Estados Unidos, Argentina e outros que consistia na devolução parcial do custo dos tributos indiretos que se acumulam no preço dos bens manufaturados destinados à exportação. Como diz o ditado, “imposto não é exportado”, essa é uma maneira de compensar os empresários do setor por valores pagos no início da cadeia produtiva.
A compensação dos créditos virou disputa judicial entre União e contribuintes, com distintas ações tanto por parte do STF quanto do Superior Tribunal de Justiça. Em 2004, após 15 anos de jurisprudência em favor dos exportadores, houve uma reviravolta: o STJ foi favorável à União, considerando o benefício realmente extinto em 1983. Entretanto, essa mudança foi revertida três anos depois, em 2007, com o reconhecimento de que não fora extinto. A validade do crédito ficou mantida pelo STJ, porém apenas até 1990. Várias empresas conseguiram, na Justiça, manter a compensação dos créditos. Segundo estimativas da Receita Federal, a dívida com o governo, em quase 20 anos, está em mais ‘de R$ 280 bilhões.
Reforma tributária possibilitará melhorias
O Brasil caracteriza-se por uma elevada carga de impostos. Consequentemente, há uma política tributária de desoneração para exportações. Ao longo dos últimos anos, entretanto, os impostos e taxas continuaram crescendo e afetando as empresas do ramo de exportações, mesmo com os benefícios que os governos deram ao setor. Segundo Cezar Luiz Muller, coordenador do Conselho de Relações e Comércio Exterior da Federação da Indústria do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), no lugar de restitutir créditos, os governos não deveriam cobrá-los. “É incorreta a postura de cobrar insumos que dão origem à exportação.”
Quanto mais industrializado o produto, maior a carga tributária e menos competitiva se torna a indústria brasileira. Com elevados custos refletindo tanto na legislação trabalhista quanto em termos de impostos cumulativos, os valores das exportações acabam sentindo os reflexos. Quando o exportador compra matéria-prima, tem o ICMS, PIS e Cofins. Quando exporta, tem direito a restituir esse crédito. “Esses impostos não são devolvidos. O Estado é um caso de longa demora.”
Ele sugere a criação de um mecanismo que prevê que a matéria-prima já venha sem o imposto quando forem feitas compras na exportação. A medida é aplicada em casos especiais para empresas eminentemente exportadoras. Por isso, esclarece Muller, um modelo de reforma tributária que simplifique a sistemática traria melhorias também ao setor. Se o Rio Grande do Sul como um todo restituirá o crédito tributário para uma empresa, ele não precisaria cobrar. Isso traz aumento de custo para o exportador e diminui a sua competitividade.
Medida terá forte impacto sobre gaúchas
Embora as centenas de decisões judiciais conferindo o direito de ressarcimento aos contribuintes, muitos empresários ainda não tinham buscado as respectivas compensações que mereceriam. Eles confiaram na jurisprudência e terão prejuízos com a decisão do STF da semana passada. Os empresários fizeram contratações e negócios com base em valores que teriam direito a receber, sendo que agora eles tornaram-se inválidos.
Para alguns tributaristas, a mentalidade conservadora dos empreendedores gaúchos é um dos fatores que fez com que muitos não recorressem aos tribunais e reivindicassem os benefícios. Essas empresas serão agora duramente afetadas. A presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, Alice Grecchi, teme que a decisão do Supremo ocasione o fechamento de várias empresas, em especial no Estado. As fábricas do setor coureiro-calçadista costumam empregar em média mil funcionários. O impacto poderá ser sentido também em outras áreas, como a indústria de cerâmica, têxtil, autopeças e demais exportadoras, fechando empresas e reduzindo postos de trabalho.
Alice aguarda um posicionamento do governo federal para saber o que ocorrerá com o setor. No início do mês, o Congresso Nacional incluiu na medida provisória que criou o programa Minha Casa, Minha Vida uma emenda sobre a questão do crédito-prêmio. A emenda estabelece que a compensação é válida até 2002. Dessa forma, a dívida dos empresários só seria contabilizada de 2003 em diante.
Aprovada pelo Congresso, a extensão do benefício consta na medida provisória. Cabe agora ao presidente Lula sancionar ou vetar a emenda. No entanto, com a decisão do Supremo, a emenda será declarada inconstitucional caso seja sancionada. “O direito deveria ser mantido para todas as exportadoras que estão em batalha judicial. Desde 1983 esse direito não é pago”, afirma. Praticamente todas as empresas exportadoras serão impactadas caso a decisão do STF não seja revertida.