02/06/2009 VALOR ECONÔMICO
O futuro está no chamado governo eletrônico, que permite informar, atender e gerir em tempo real
Marco Antonio de Oliveira*
Em compensação, o histórico atraso da administração pública no Brasil tem sido amenizado pela crescente incorporação de novos paradigmas gerenciais, alguns deles originários do setor privado. Nos últimos anos, multiplicaram-se as práticas inovadoras em todas as esferas de governo, com resultados visíveis para o atendimento aos usuários de serviços públicos.
No âmbito federal, além da contratação de mais servidores por meio de concursos públicos, o governo tem investido na recuperação da infraestrutura e da capacidade operacional de importantes órgãos, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que até pouco tempo era sinônimo de ineficiência e que, pela sua dimensão e relevância, pode se tornar uma referência no serviço público brasileiro.
Estamos falando de uma organização com 1.400 unidades de atendimento e 40 mil servidores, presente em 1.100 municípios e que atende mais de três milhões de pessoas por mês. Ela administra com eficiência o pagamento de mais de 26 milhões de benefícios, correspondentes a uma folha mensal de R$ 15 bilhões. Em muitas cidades, esses recursos são mais importantes do que as transferências do Programa Bolsa Família ou do Fundo de Participação dos Municípios.
As vergonhosas filas nas portas das agências do INSS, que comprometiam sua imagem, ficaram para trás. A gestão competente das demandas dos usuários levou à redução drástica do tempo para atendimento, realização de perícias e concessão de benefícios. Agora o cidadão marca e confirma seu atendimento pela Central 135 ou por meio do site da Previdência Social, comparece à agência no dia e horário marcados e é atendido cada vez mais rápido.
Conceder uma aposentadoria em poucos minutos é apenas um dos êxitos mais vistosos do esforço contínuo do Instituto, realizado desde 2003, para recompor o quadro de servidores, recuperar e expandir a rede de atendimento, renovar o parque tecnológico e os sistemas operacionais, e implantar programas de melhoria da gestão e do atendimento, além da revisão e simplificação de normas e do combate a fraudes e pagamentos indevidos.
Outras medidas decisivas para a melhoria dos serviços foram a criação de um programa de educação continuada destinado à capacitação profissional dos servidores e uma política de recuperação salarial, que reabriu as oportunidades de progressão na carreira e aperfeiçoou os mecanismos de remuneração variável, vinculando-a ao cumprimento de metas institucionais.
Durante o tempo em que presidi o INSS, convenci-me de que essa experiência, pelos seus avanços e limites, indica alguns caminhos para o aperfeiçoamento da gestão governamental no Brasil, que convergem para a necessidade de ações contínuas, integradas e de longo prazo sob a forma de um extenso conjunto de medidas, boa parte delas enunciadas no Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização, lançado em 2005.
É preciso mais celeridade na revisão e simplificação de leis, normas e procedimentos que comprometem o acesso e a qualidade dos serviços e que geram enormes passivos administrativos e judiciais. O imperativo da legalidade é essencial aos atos da administração pública, mas não pode ser obstáculo à boa gestão e ao exercício do direito para quem cumpre as exigências legais e que, muitas vezes, pena de repartição em repartição.
Da mesma forma, a racionalidade e impessoalidade no trato da coisa pública são fundamentais para coibir o "jeitinho brasileiro" e outras práticas condenáveis, mas não podem ser confundidas com tratamento frio e desumano ao cidadão, ferindo os princípios de urbanidade e civilidade. Os procedimentos rotineiros da burocracia estatal devem ser compatibilizados com a desejável humanização do atendimento ao público.
À necessidade de recomposição do quadro de servidores deve-se somar uma política de gestão de pessoas voltada à aprendizagem contínua e à valorização pessoal e profissional, pois não há melhoria de atendimento com servidores mal pagos, mal treinados e desmotivados, sobretudo em organizações que atendem ao público. Mais do que gerir pessoas, trata-se de promover a gestão com pessoas e para as pessoas, o que também requer mudanças de cultura e clima organizacional.
No plano gerencial, impõem-se a difusão mais ágil dos novos modelos organizacionais e de gestão por processos, competências e resultados, como contraponto ao modelo burocrático tradicional característico de organizações centralizadas e hierarquizadas em que se inibe o exercício da liderança, as linhas de comando horizontais e as práticas inovadoras, como nas instituições onde só se faz o que a lei expressamente obriga, mesmo assim sujeito aos humores e à discricionariedade do burocrata de plantão.
A expansão de redes físicas, que tende a elevar os gastos de custeio, pode ser necessária em diversas localidades, principalmente em regiões com baixa cobertura de serviços públicos, mas é urgente integrar e ampliar a utilização de redes já instaladas. Além disso, o futuro está no chamado governo eletrônico, que permite informar, atender e gerir em tempo real e que tem tido boa aceitação pelos usuários de serviços públicos.
A continuidade e a ampliação do investimento em tecnologia são, portanto, indispensáveis para a montagem de parques tecnológicos e redes lógicas, o desenvolvimento de programas e sistemas operacionais, a criação de ferramentas de gestão e controle, e a implantação de canais remotos, como os portais de serviços e as centrais de relacionamento com usuários.
E para que prevaleça a excelência na gestão pública, de maneira consistente e duradoura, é necessário ainda promover um novo arranjo institucional no qual as injunções político-eleitorais, próprias das democracias, não gerem descontinuidades, retrocessos ou desestimulem inovações, em especial nas políticas públicas voltadas ao cumprimento de direitos constitucionais, como na área de seguridade social.
Enfim, há muito trabalho a fazer neste país para quem quer, de fato, servir ao público.
*Pesquisador do CESIT/IE/Unicamp. Foi secretário-executivo do Ministério do Trabalho e Emprego e presidente do INSS, entre 2006 e 2008.