Artigos e Apresentações

A falaciosa estabilidade financeira dos Estados

15/05/2019

Tu sabias que o governo federal mantém os estados em permanente estado de insolvência a fim de exacerbar as centralizações política, tributária, administrativa, econômica e financeira, e que estas centralizações são as responsáveis pela derrocada dos estados e pela situação caótica da própria União?

O grau de dependência dos estados com o Governo Federal chegou a um ponto no qual se impõe - para usar um termo em voga - uma inovação disruptiva, já que necessitamos de, no mínimo, retornar à organização estabelecida no último grande pacto social que originou a atual Constituição da República Federativa do Brasil.

Esta disrupção se faz necessária porque o estado brasileiro foi capturado pelo sistema financeiro, que muito lucra à custa da atual miséria de grande parte da sociedade e, inclusive, à custa daquela parte dos brasileiros que ainda têm algumas reservas aplicadas no sistema que, por sinal, por conta das migalhas que recebe, acaba dando respaldo para a concentração de renda nos cofres deste mesmo sistema.

Uma demonstração do grau desta captura é a Carta do Fórum de Governadores aos Chefes do Poder Executivo e Legislativo entregue aos presidentes da República, do Senado e da Câmara Federal no dia 08 de maio de 2019, que abaixo transcrevo.

Os governadores dos estados e do Distrito Federal, considerando a necessidade de assegurar a estabilidade financeira dos entes federados, visando à promoção do desenvolvimento social em todas as regiões do Brasil, decidem:

1) Reivindicar a implementação imediata pelo Governo Federal de um plano abrangente e sustentável que restabeleça o equilíbrio fiscal dos estados e do Distrito Federal, a exemplo do já aventado Plano Mansueto;

2) Reiterar a importância fundamental de assegurar aos estados e ao Distrito Federal a devida compensação pelas perdas na arrecadação tributária decorrentes da desoneração de exportações, matéria regulamentada na “Lei Kandir”;

3) Defender a instituição de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb permanente e dotado de status constitucional, que atenda às reais necessidades da população brasileira no tocante à educação;

4) Pleitear a regularização adequada da “securitização” de créditos dos estados e do Distrito Federal, visando ao fortalecimento das finanças desses entes federados;

5) Requerer a garantia de repasses federais dos recursos provenientes de cessão onerosa/bônus de assinatura aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios;

6) Apoiar o avanço urgente da Proposta de Emenda à Constituição nº 51/2019, que “altera o art. 159 da Constituição para aumentar para 26% (vinte e seis por cento) a parcela do produto da arrecadação dos impostos sobre a renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados destinada ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências.”

Este documento mostra que a dependência ao sistema financeiro está tão arraigada nos nossos governantes que eles em nenhum momento expressam a necessidade de alavancar as receitas próprias dos estados, por exemplo, cobrando a revogação da imunidade tributária concedida às exportações de produtos primários e semielaborados, que teve origem na malfada e desestruturante Lei Kandir.

Todas as postulações da carta, em última análise, dependem de operações de empréstimos financeiros, até porque o próprio governo federal está absurdamente endividado.

Aliás, é bom lembrar que em dezembro de 1999 a Dívida Pública Federal (DPF) representava 3,4 vezes a Receita Corrente Líquida da União (RCL), e que em dezembro de 2017 esta relação já estava em 7,2 vezes e, ainda, com viés de alta.

É bom lembrar também que a disparada desta dívida decorre do não cumprimento, pelo Senado Federal, do comando da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que obriga a chamada Casa dos Estados a limitar a DPF.

Uma das reivindicações da carta que chama muito a atenção é a que pleiteia a regularização das operações de securitização de créditos dos Estados.

Essas operações são emblemáticas, pois os tomadores dos títulos provenientes das operações de securitização cobram altas remunerações, exigem enormes garantias financeiras e patrimoniais e impõem a contratação de cláusulas leoninas e caríssimas assessorias dos mais variados tipos.

Contudo, é necessário ressaltar que a raiz-escora do problemático endividamento dos Estados é o contrato assinado com o Governo Federal no final da década de 1990, que 1) ofende os princípios constitucionais da legalidade e da impessoalidade; 2) não contém a trivial cláusula do equilíbrio econômico-financeiro; 3) embute a prática ilegal do anatocismo; 4) solapa a autonomia dos estados; e 5) transformou uma necessária decisão de política econômica do Governo Federal em lucrativa operação financeira.

A propósito, como o governo federal há muito tempo assume que as dificuldades financeiras enfrentadas pelos estados à época decorreram das mudanças econômicas realizadas pela União, nada justifica a expropriação que ele tem feito da renda dos estados por meio deste contrato.

Também é importante ressaltar que, desde o final da década de 1990, o governo federal impõe e confere metas via monitoramento mensal e visitas técnicas anuais aos estados no âmbito do Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, o que amplia a sua responsabilidade pela derrocada dos estados.

Como todos os valores das prestações pagas pelos estados por conta da dívida com a União são direcionados para o pagamento da DPF, a drenagem destes recursos para o sistema da dívida se converte em um mecanismo de usurpação de renda da sociedade, que traz como principal consequência o enfraquecimento do mercado interno.

Além disto, estes programados desajustes fiscais dos estados estão provocando a instalação de uma nova federação, onde estes entes se transformam em meras superintendências do governo federal, subvertendo o pacto federativo assinado pelos constituintes de 1988.

Por estas e por outras, sou radicalmente contra o Plano de Reestruturação e de Ajuste Fiscal - que deve ser refeito -, o Regime de Recuperação Fiscal e o anunciado Plano de Equilíbrio Fiscal, que, aliás, destroem os entes federados e só beneficiam o desestruturante sistema da dívida pública.

E para não dizerem que não sou a favor de nada, sou radicalmente a favor, entre outras, de que 1) as corporações transnacionais exportadoras de produtos primários e semielaborados voltem a contribuir com o financiamento do estado brasileiro; 2) o Senado Federal limite imediatamente a Dívida Pública Federal; 3) o Banco Central encerre as operações compromissadas; e 4) seja adotado o regime de taxas máximas aplicáveis aos contratos de crédito dos consumidores finais, com vistas ao fortalecimento do mercado interno.

João Pedro Casarotto

Auditor Fiscal da Receita Estadual aposentado

Autor do projeto Gotículas de Dívida

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