23/06/2009 JORNAL DO COMMERCIO
Entrevista - Bernard Appy
O secretário extraordinário de Reformas Econômico-Fiscais do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, passou os últimos dias fazendo corpo a corpo na Câmara para conseguir apoio dos deputados da base aliada à votação do texto da reforma tributária. O governo sabe que, se não conseguir votar este ano, dificilmente o fará na gestão do presidente Lula. No próximo ano, as atenções estarão voltadas para as eleições para presidente da República e governadores. Appy disse que "ninguém imagina que será fácil", mas acredita que a votação da reforma este ano é factível.
Ele conta com o compromisso assumido no ano passado pela oposição de que não haverá obstrução à matéria. Também sinalizou que o governo desistiu de obter o apoio político do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), um dos principais críticos da reforma. Segundo Appy, o Estado de São Paulo será um dos maiores beneficiados com o fim da guerra fiscal e, por isso, ele acredita que os deputados paulistas da base votarão com o governo.
O secretário afirma que a reforma tributária permitirá um maior crescimento da economia. Segundo ele, o governo concordou em pagar o custo fiscal da reforma, que deverá atingir R$ 1,9 bilhão após o primeiro ano de aprovação da emenda constitucional e R$ 37 bilhões em 12 anos. O maior custo será com a desoneração da folha de pagamento das empresas, que tem apoio do setor produtivo e é considerada o grande atrativo para a votação da reforma. O texto foi votado no ano passado na Comissão Especial da Câmara e precisa ser votado em dois turnos no plenário da Casa.
Jornal do Commercio - O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que não aceita votar uma reforma desfigurada. O que não é negociável para o governo?
Appy - Na Comissão Especial, já houve uma série de concessões em termos de valor do Fundo de Desenvolvimento Regional, parâmetros de garantia de receitas para os estados. Do ponto de vista fiscal, o que saiu da comissão seria o limite para a reforma. O governo não quer que outras questões comecem a pegar carona na reforma. É isso que o ministro está passando como recado. O governo quer a reforma tributária, mas obviamente tem um custo que não é pequeno.
Em quanto o governo estima este custo?
- É um custo crescente ao longo do tempo. Começa com R$ 1,9 bilhão no primeiro ano depois da reforma e chega a R$ 37 bilhões em 12 anos. O governo está bancando a reforma tributária porque entende que ela cria condições para um crescimento mais acelerado da economia no longo prazo e que isso compensa este custo da desoneração. Mas, obviamente, é uma aposta. De fato, o governo está colocando um valor relevante na mesa para poder viabilizar a aprovação da reforma. Destes R$ 37 bilhões, R$ 24 bilhões referem-se à desoneração da folha de pagamento das empresas e R$ 13 bilhões ao custo do aumento das transferências para estados e municípios. Você reduz a carga tributária sobre a folha, mas se beneficia de um maior crescimento, que é o resultado da reforma como um todo. Este é o recado que o ministro Mantega passou.
A bancada da seguridade social não gostou do fim das contribuições sociais que financiam a área. O governo vai voltar atrás?
- Neste caso, o ministro quer encontrar uma equação que não crie um atrito com a área de seguridade social. O que está sendo discutido hoje é fazer isso via manutenção da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Isto atenderia parte da demanda deles, que é manter uma fonte de receita própria; e ao mesmo tempo mantém o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) federal, que é a base ampla de tributos. A base ampla é importante porque permite deslocar a carga tributária dos tributos indiretos para os tributos diretos sem com isso comprometer o financiamento dos estados e municípios e da seguridade. A nossa estrutura tributária estimulou o governo nos últimos 20 anos a concentrar o aumento de arrecadação na tributação do consumo, na produção (PIS e Cofins) e não explorar a base do IR, que é sobre a renda. O IVA federal incorporando a Cofins, fazendo a base ampla, cria condições de fazer uma migração para uma estrutura tributária mais progressiva.
Há dez anos o País tenta promover a reforma tributária. Por que o governo aposta na aprovação este ano?
- Os líderes da base sinalizaram que esta é uma pauta importante e estão dispostos a votar. A rodada com partidos da base foi bastante positiva. Vários deputados não conheciam a reforma tributária. Do ponto de vista da oposição, eles assumiram no fim do ano passado o compromisso de não obstruir a votação este ano.
Este acordo ainda está de pé? Os líderes de oposição não aceitaram o convite do ministro para uma reunião esta semana.
- Não vieram na reunião, mas assumiram este compromisso no fim de 2008. Então nós entendemos que teria condições de votar agora. Obviamente, isto foi viabilizado também com a interpretação do presidente da Câmara de que emendas constitucionais não seriam obstruídas por medidas provisórias. De fato, estamos com a pauta aberta agora. O esforço é para votar antes do recesso de julho, no mínimo no primeiro turno. Se possível os dois.
O governador Serra tem feito oposição forte à votação da reforma. O governo vai tentar negociar com ele?
- Estamos abertos a discutir com quem quiser. Agora, precisa ter disposição para discutir. Se a posição política é intransigente, aí não tem solução. Vai resolver no plenário. Claro que se tivesse apoio da oposição a votação ficaria mais tranquila.
A reforma tributária é uma questão mais federativa do que partidária. O senhor acha que os deputados da base de São Paulo vão votar com o governo?
- Acho que sim, porque eles entendem que São Paulo não é prejudicado pela reforma. É de longe um dos estados que mais ganham com o fim da guerra fiscal. O estado está preservado, tem mecanismo de compensação para eventual perda de receita. Não vejo os deputados da base de São Paulo votando contra.
Dá para votar sem o apoio do DEM e do PSDB?
- A situação tem maioria qualificada, mais de três quintos (do total de deputados na Câmara). É por isso que está sendo feito esse trabalho todo de explicação com a base do governo, caso a oposição tenha uma estratégia de oposição em bloco.
Caso a reforma passe pela Câmara, como é que o governo vai enfrentar as resistências do Senado e o clima político ruim?
- Tem dois momentos: o da discussão - que é factível mesmo com a CPI da Petrobras - e o da votação. Quando chegar o momento da votação, que seria mais para o fim do ano, espera-se que o clima esteja melhor no Senado. Não vejo isso como impeditivo absoluto. É obvio que a gente sabe que quanto mais perto das eleições, mais difícil fica para votar. Ninguém acha que é fácil. Se a oposição assumir uma posição intransigente, fica mais difícil, mas ainda sim é factível.