Duas semanas de Dilma Rousseff foi tempo suficiente para consolidar a impressão de que há dois tipos de ministro sob a nova presidente: Antonio Palocci e os demais. Exceto pela própria Dilma, Palocci foi o personagem que mais frequentou o gabinete presidencial desde 3 de janeiro, primeiro dia últil depois da posse.

 

Até aqui, não houve reunião que Dilma convocasse sem que o novo chefe da Casa Civil estivesse entre os participantes. Além das audiências individuais, Palocci participou de despachos da presidente com colegas de Esplanada.

 

Almoçou um par de vezes com Dilma. Afeita ao hábito de alimentar-se no ambiente de trabalho, ela mastiga a comida e os problemas do dia simultaneamente.

 

Entre todos os discursos de posse, o de Palocci foi o mais curto: 14 minutos. Dedicou-se sobretudo a espancar a idéia de que seria um superministro. Em 16 dias, a retórica foi pulverizada pela prática.

 

Palocci foi chamado a opinar sobre tudo –de reforma tributária e câmbio à distribuição de cargos. Aos primeiros sinais de crise, foi acionado para conter os apetites do PMDB. Como o noticiário continuasse eletrificado, Dilma chamou Michel Temer.

 

Na reunião com o vice-presidente, mandachuva licenciado do PMDB, Dilma trazia Palocci a tiracolo. Decidiu-se recobrir a guerra pelo segundo escalão, que opõe o partido de Temer ao PT, com um manto diáfano de silêncio.

 

Palocci parece guiado a ensinamentos de mãe. Chama-se Antonia de Castro Palocci a genitora do ministro. Na intimidade, tratam-na de Toninha. Mora em Ribeirão Preto. É filiada ao PT desde 1980. Jacta-se de ter introduzido o partido no ambiente familiar.

 

Primeiro, Toninha militou numa corrente chamada Convengência Socialista. O filho preferiu a Libelu. Além do discurso de extrema esquerda, as duas alas tinham em comum a devoção às teses revolucionárias do líder russo Leon Trotsky (1879-1940).

 

Depois, Toninha e Palocci migraram para a corrente majoritária do PT, a mesma de Lula. Numa entrevista de fevereiro de 2004, Toninha desenhou o estilo do filho para o repórter Rogério Pagnan. Diferenciou-o de José Dirceu.

 

Nessa época, Palocci era o czar da economia de Lula. Dirceu mandava e, conforme se descobriria no ano seguinte, desmandava na Casa Civil. Ouça-se a Toninha de 2004:

 

"O Palocci é o inverso do José Dirceu. José Dirceu mostra. Palocci é. Quem mostra é porque está inseguro. Há uma insegurança lá dentro [de Dirceu] e, por isso, ele precisa mostrar. O Palocci não, ele é. Não precisa mostrar".

 

No discurso inaugural, Palocci não fez senão distanciar-se do modelo de Dirceu. No gogó, reduziu sua própria importância. Realçou: sob seu comando a Casa Civil seria lipoaspirada. Empilhou os programas e os órgãos transferidos para outras pastas.

 

O PAC e o Minha Casa, Minha Vida foram para o Planejamento. O Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) migrou para a Defesa. O Arquivo Nacional foi ao organograma da Justiça. E a Secretaria de Planejamento foi pendurada na Secretaria-Geral da Presidência.

 

De resto, como que empenhado em esvaziar as manchetes, Palocci declarou que a coordenação política não seria sua atribuição. Segundo ele, a matéria seria da responsabilidade do companheiro Luiz Sérgio (Relações Intitucionais). A prática, de novo, atomizou o discurso.

 

Afora as credenciais que Dilma lhe atribuiu, Palocci é visto pelos congressistas como interlocutor preferencial. “Para tomar cafezinho, o local é a sala do Luiz Sérgio. Para resolver as coisas, o gabinete é o do Palocci”, disse ao repórter um cacique da tribo dos pemedebê.

 

Sob Dirceu, a Casa Civil concentrou poder administrativo e político. Sob Dilma, virou supergerência, sem política. Palocci busca o meio-termo. Livre das atribuições de gerente, opina quando chamado. Nos primeiros dias, foi ouvido sobre tudo e qualquer coisa.

 

Sem o título de coordenador político, move-se no território que mais lhe apraz: os subterrâneos. Cinco anos depois de ter sido apeado da Fazenda pelo ‘Caseirogate’, Palocci está, definitivamente, de volta.

 

Por ironia, foi guindado a uma pasta que traz “Casa” na logomarca. Mal comparando, torna-se, sem alarde, uma espécie de supercaseiro de Dilma, um faz-tudo, pau-pra-toda-obra. Desliza com a mesma desenvoltura entre governistas e oposicionistas. Transita entre empresários.

 

Os mais bem sucedidos chefes da Casa Civil da história estiveram unidos por uma característica comum: a ausência de ambições políticas individuais. Nenhum deles saiu da cadeira de ministro para cargos executivos que exigissem votos, exceto Dilma. Ela ascendeu não porque quisesse, mas porque Lula a quis.

 

Não fosse pela quebra do sigilo do caseiro, um dos raros instantes em que se distanciou dos ensinamentos de Toninha, Palocci poderia estar no lugar de Dilma. A acomodação de um projeto político na Casa Civil converte a outorga de poderes numa experiência desafiadoramente perigosa.

 

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