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Nova Previdência: o dia depois - Por Israel Batista

13/06/2019

A história ensina que direitos sociais não são outorgados. Eles são conquistados, geralmente com muita luta, ao longo do tempo. Surgiram para conter excessos dos empregadores sobre trabalhadores, para minorar desigualdades socioeconômicas, garantir as liberdades individuais e dar dignidade à pessoa. E justamente por isso, diante da ameaça de retrocessos, a resistência se fortalece.

No contexto nacional, a Nova Previdência (PEC 06/19) vai alterar profundamente as regras da Seguridade Social, o maior programa de distribuição de renda e de proteção social do país. Mas, em vez de aperfeiçoamentos, a proposta traz riscos reais de vasta exclusão previdenciária e desproteção.

A proposta de capitalização na qual cada trabalhador teria uma poupança individual própria para se aposentar aponta para a destruição da Previdência Social. Implica custo de transição crescente no tempo associado à perda das receitas necessárias ao custeio das atuais aposentadorias. Isso levará à deterioração dos resultados orçamentários do que sobrar da Previdência.

A capitalização, em um país de salários baixos e alta rotatividade no emprego, redundará em aposentadorias drasticamente menores, certamente insuficientes para a manutenção dos padrões essenciais de sobrevivência dos aposentados. Não à toa, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), dos 30 países que adotaram a capitalização nas últimas décadas, 18 optaram pela reversão do modelo.

As novas regras propostas também indicam a criação de enorme contingente de trabalhadores que não conseguirá se aposentar, uma que as mudanças de idade, tempo de contribuição (mínimo 20 anos) e cálculo do benefício visam, tão somente, reduzir despesas para chegar ao número mágico de R$ 1 trilhão de economia. Minimiza-se a assistência e praticamente se acaba com a aposentadoria rural, como se a proteção social pudesse ser avaliada apenas em função de números, sem considerar o impacto na vida das pessoas, e como se o problema central do Brasil estivesse no valor médio dos benefícios do Regime Geral de R$ 1.270.

Além disso, não faz sentido colocar a culpa da crise fiscal nos servidores públicos, pois atualmente eles representam menos despesas federais em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) do que em 2002. Ocorre que a obsessão com a redução de despesas desconsidera não somente a vida das pessoas, mas o fato de que a origem dos desequilíbrios fiscais está na desaceleração da economia e na recessão responsáveis pelo colapso das receitas, hoje iguais às de 2012.

Mas, afinal, apesar dos sacrifícios impostos a toda a sociedade — que trabalhará mais para não se aposentar ou se aposentar com benefícios menores — a Nova Previdência gerará mais crescimento econômico e emprego? De acordo com o governo e os mercados, sim, porque a poupança fiscal gerada permitiria baixar as taxas de juros, recuperar a confiança e estimular o gasto empresarial privado. Já a realidade demonstra justamente o oposto. A retirada de direitos trabalhistas em 2017 apenas ampliou a informalidade, ao passo que a economia claudica ameaçando novamente entrar em recessão técnica.

     Empresários não investem por causa de resultados fiscais — que, aliás, devem piorar com a implantação da capitalização, haja vista os elevados custos envolvidos —, mas porque esperam vender mais. Num país onde em 73% dos municípios as transferências de Previdência superam às do Fundo de Participação dos Municípios, a Nova Previdência, com privatização, desproteção e achatamento de benefícios, prejudicará o consumo das famílias, o crédito e as vendas, subtraindo dinamismo das economias locais.

Vale observar que mudanças previdenciárias são normais ao longo do tempo devido às mudanças etárias e do mercado de trabalho. Mas toda alteração deve ocorrer para melhorar e não para destruir. Assim, sob o pretexto de reformar, não podemos permitir o imenso retrocesso social anunciado pela proposta do governo. Como advertiu o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, falecido em 2017, “parece que precisamos de catástrofes para reconhecer e admitir (retrospectivamente, ai de nós, só retrospectivamente…) sua iminência”.

 

*Professor Israel Batista - Deputado federal (PV-DF) e membro da Comissão Especial da Reforma da Previdência

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