03/10/2011 CONJUR
Por Sylvio César Afonso
O tema da decadência do direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário é assunto controverso, tanto para a doutrina pátria quanto no âmbito dos tribunais judiciais e administrativos.
O tribunal de impostos e taxas do estado de São Paulo, por exemplo, tem modificado constantemente seu entendimento, o que se vislumbra pela análise dos recentes Ofícios Circulares expedidos pela Coordenadoria da Administração Tributária – CAT.
Vejamos, inicialmente, o que dispõe o ofício circular 002/2010, em sua integralidade:
O coordenador da administração tributária, no uso de suas atribuições legais, considerando as decisões emanadas pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas acerca do prazo decadencial para constituição do crédito tributário decorrente de creditamento indevido do ICMS; considerando a relevância da matéria; considerando os princípios da eficiência e da economia processual e a necessidade de padronizar os procedimentos no âmbito das diretorias da CAT, resolve:
I – A câmara superior do tribunal de impostos e taxas vem decidindo reiteradamente, em sede de recurso especial, que a regra de decadência aplicável aos lançamentos de ofício por creditamento indevido de ICMS, sem que haja comprovação de dolo, fraude ou simulação, é aquela contida no artigo 150, §4º do Código Tributário Nacional – CTN, segundo o qual a administração dispõe do prazo de cinco anos para constituir o crédito tributário, contados a partir da ocorrência do fato gerador. Dezenas de processos já foram julgados nesse mesmo sentido.
II – Em face de tais decisões, a Fazenda Pública vem interpondo pedidos de reforma de julgado, sustentando que as decisões proferidas em Recurso Especial divergem da jurisprudência consolidada no Poder Judiciário, no que diz respeito à regra de decadência aplicável aos lançamentos fiscais por creditamento indevido de ICMS. Nesses pedidos, a Fazenda Pública postula a aplicação do disposto no artigo 173, inciso I, do CTN para os casos da espécie, na qual o prazo de cinco anos começa a fluir a partir do 1º dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
III – Em sessão monotemática realizada no dia 16 de setembro de 2010, o órgão pleno do TIT procedeu ao Julgamento de vinte pedidos de reforma de julgado apresentados pela Fazenda Pública e concluiu, por expressiva maioria de votos, pelo não conhecimento dos pedidos, por ausência de pressuposto de conhecimento definido no artigo 50, inciso II, da Lei 13.457/2009. O órgão de julgamento entendeu que não há jurisprudência consolidada sobre a matéria nos tribunais superiores, no caso, o Superior Tribunal de Justiça, impossibilitando o conhecimento dos apelos. Nesse sentido, as decisões recorridas restaram inalteradas. Dos dezesseis juízes que integram a Câmara Superior, treze votaram pelo não conhecimento e três votaram pelo conhecimento.
IV – A decisão da Câmara Superior em sede de pedido de reforma de julgado é definitiva no âmbito do contencioso administrativo tributário, dela não cabendo qualquer tipo de recurso. Muito embora não signifique o fim das discussões jurídicas sobre o tema, esses julgados sinalizam forte entendimento do Tribunal de Impostos e Taxas e servirão de baliza para o julgamento dos demais processos versando sobre o mesmo tema.
V – Nesse sentido, até que sobrevenha eventual modificação do entendimentos dos tribunais superiores do Poder Judiciário no que se refere à matéria objeto deste ofício, observar-se-á o que segue:
1 – A Diretoria Executiva da Administração Tributária – DEAT – observará a jurisprudência da Câmara Superior do TIT sobre a matéria, no que se refere ao planejamento da ação fiscal e à lavratura do Auto de Infração e Imposição de Multa.
2 – A diretoria da representação fiscal não deverá interpor recursos ou formular pedidos postulando a aplicação de regra diversa daquela fixada nos acórdãos da câmara superior, especificamente no que se refere à matéria versada nesse ofício. A medida se impõe em razão de que tais recursos não apresentam possibilidade de êxito em face da jurisprudência atual, retardando, inclusive, a cobrança de crédito tributário remanescente pela Fazenda Pública, dado que na grande maioria dos casos se verifica a manutenção das infrações em valores muito superiores aos itens cancelados por decadência.
A partir deste ofício, os julgadores integrantes do Tribunal de Impostos e Taxas passaram a proferir seus votos utilizando a regra de decadência contida no artigo 150, §4º do CTN (segundo o qual o prazo é de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador).
Assim, em casos em que não se verificava diagnóstico de dolo, fraude ou simulação, o lapso de tempo para que se procedesse à revisão do lançamento veiculado no AIIM era de cinco anos, contados da data na qual as operações relativas à circulação de mercadoria tiveram lugar, em conformidade com o dispositivo citado.
Contudo, tal posição restou modificada, com a edição do Ofício Circular CAT 001/de 31 de março de 2011, abaixo transcrito:
O Coordenador da Administração Tributária, no uso de suas atribuições legais, sobretudo no que diz respeito à uniformização dos critérios de interpretação, orientação e aplicação da legislação tributária pelos órgãos da CAT, na conformidade da disposição do artigo 41, II, “a”, do Decreto 44.566/99;
Considerando que o E. Superior Tribunal de Justiça – STJ – no julgamento do AgRg REsp 1.199.262-MG, publicado em 9 de novembro de 2010, à unanimidade, firmou entendimento no sentido da aplicação, em matéria de decadência de creditamento indevido de ICMS, da regra contida no artigo 173, I, do CTN;
Considerando, ainda, as recentes decisões emanadas pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas, em sessões monotemáticas realizadas em 22 e 29 de março de 2011, com o alinhamento de sua jurisprudência no mesmo sentido da abrigada pelo STJ, ou seja, com aplicação do artigo 173, I, do CTN, para os casos de creditamento indevido de ICMS;
Considerando, portanto, que entre a produção da Portaria CAT 02/2010 e a presente data de publicação deste, houve manifesta modificação do entendimento do Poder Judiciário e do Tribunal de Impostos e Taxas, acerca da matéria de decadência do creditamento indevido do ICMS;
Considerando, por fim, a relevância da matéria; os princípios da autotutela, da eficiência e da economia processual,
Resolve:
Revogar o Ofício Circular CAT 02/2010, vez que o mesmo, em seu item V, estabelecera condição resolutiva de validade, vinculada à ocorrência de futura modificação do entendimento dos tribunais do Poder Judiciário no que se refere à matéria de referência.
Após a edição deste ofício, os julgadores do E.TIT passaram a aplicar o artigo 173, I, do CTN (o qual prevê que o direito da Fazenda constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado).
Deste modo, a corte administrativa passou a entender que, por se tratar a infração de crédito indevido de imposto, o entendimento mais correto é pela aplicação deste dispositivo, uma vez que nestes casos não há como se precisar o exato momento em que fica constituído o crédito.
Frise-se que a jurisprudência da Corte restou uniformizada, em virtude do mencionado ofício circular.
Destarte, insta ressaltar que, se por um lado a mudança de entendimento proveniente de tais ofícios busca validar certos princípios, tais como os da eficiência e da economia processual, deixa de homenagear outro, de igual modo caro ao Estado Democrático de Direito: o principio da segurança jurídica.
A índole subjetiva deste princípio diz respeito à proteção à confiança das pessoas no tocante aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos diferentes aspectos de sua atuação.
O eminente jurista Miguel Reale, discorrendo acerca da obrigatoriedade ou vigência do Direito, afirma que “a idéia de justiça liga-se intimamente à idéia de ordem. No próprio conceito de justiça é inerente uma ordem, que não pode deixar de ser reconhecida como valor mais urgente, o que está na raiz da escala axiológica, mas é degrau indispensável a qualquer aperfeiçoamento ético[1]”.
Assim, é de rigor que se estabeleça, no âmbito da Secretaria da Fazenda, uma “ordem estável” quanto ao instituto da decadência, para que, de fato, haja uma padronização de procedimentos nas diretorias da CAT.
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[1] Filosofia do Direito. São Paulo. Saraiva, 1996.
Sylvio César Afonso é advogado tributarista e juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo.